Juan Bernabé faz parte da história do Benfica. Foi ele quem, pela primeira vez, fez voar num estádio, o da Luz, uma águia, símbolo do clube português.
— Como chegou ao Benfica?
— Tudo começou no aeroporto de Faro, onde trabalhava como falcoeiro. As pessoas viam-me e diziam: «Olha a águia do Benfica!» Eu pouco percebia de português, não sabia o que queriam dizer, até que um amigo meu me explicou o que a águia representava para o Benfica. Também me disse que o treinador da altura era um espanhol, o Camacho, e que dentro de poucas semanas se ia inaugurar o novo estádio da Luz. Foi então que pensei o bonito que seria que a minha águia pudesse voar nessa festa tão importante.
— E então decidiu passar à ação…
— Claro, tinha de o fazer. Telefonei para o clube, atendeu-me a Rosário, que era a secretária da direção. Quis saber o que queria, expliquei-lhe e ela disse-me logo que isso não interessava, que o Benfica já tinha uma águia. Fiz-lhe ver que o que havia era um milhafre de um adepto. Insisti, insisti e lá consegui que a chamada fosse parar ao Luís Seara Cardoso, do departamento de marketing. Ele achou a ideia maravilhosa e convidou-me a ir a Lisboa para falar com ele sobre o assunto. Fui, estacionei no Colombo, e com toda a lama que havia à volta do estádio cheguei todo sujo e num estado deplorável à reunião, na qual também estava o responsável da Realiza, a empresa encarregada dos festejos da inauguração. Todos se mostraram muito interessados, instalaram-me com a águia num hotel, procuraram proporcionar-me todos os meios para poder treinar, mas fazê-lo era muito complicado, faltavam duas semanas, chovia muito e o relvado estava sempre cheio de gente a preparar a coreografia da inauguração. Mas lá ia trabalhando com a águia como podia. Quando faltavam cinco dias disseram-me que tínhamos de fazer o ensaio geral. Correu mal, a águia abortou a aterragem, advertiram-me que não se podiam permitir que isso viesse a suceder no dia da inauguração, fiquei destruído e pedi que me dessem outra oportunidade. Aceitaram e no segundo voo a águia aterrou perfeitamente. Então disseram-me: «Vamos para a frente e seja o que Deus quiser».
— E como correu a inauguração?
— Começou mal. Eu não tinha acreditação e o porteiro não me queria deixar entrar. Por mais que eu lhe dissesse o que ia fazer, o homem não cedia. Eu estava desesperado porque via o tempo a passar e ali estava à porta sem poder fazer nada. Felizmente passou por lá um dirigente do Benfica que me reconheceu e resolveu a situação, evitando o que, com uns minutos mais de espera, teria sido um desastre. Depois, quando estava com a águia no relvado para fazer o voo, o técnico da luminotecnia, para criar um ambiente mais íntimo e solene, decidiu baixar a intensidade da luz. Fiquei em pânico, com medo que a águia não me visse. Felizmente ela levantou voo e aterrou perfeitamente, foi um momento incrível, emocionante, havia lágrimas nos olhos de toda a gente, incluindo nos do Camacho. Os que lá estavam nunca mais poderiam esquecer o que tinham presenciado, tudo espetacular. Nunca vi tanta paixão por um clube como a que sempre mostraram os adeptos do Benfica.
— Isso foi só o começo…
— Eu e a Vitória vivemos anos de glória. Íamos aos hospitais, ao IPO, mostrando muita solidariedade com todos os que sofriam. Recordo uma reportagem espetacular que A BOLA fez com uma menina, a Ana Rita Semedo, que tinha um problema grave na coluna vertebral. O Manuel Luís Goucha também fez um programa com ela e a mãe, telefonei-lhe para dar a minha ajuda e consegui que a Ana Rita fosse três vezes a Londres para ser tratada. Esses anos também me permitiram conhecer, de Norte a Sul, o país maravilhoso que é Portugal. Visitei todas as casas do Benfica, lembro-me que quando fui a Aveiro estava o presidente da câmara e uma banda de música à minha espera, um acolhimento extraordinário. Outro momento inesquecível foi quando o presidente da UEFA desceu ao relvado e me pôs a medalha de ouro ao mesmo tempo que me dizia que o que fazia era o mais giro que tinha visto num estádio de futebol. Quando havia jogos da Champions League na Luz, todas as personalidades VIP que assistiam queriam conhecer-me para me darem os parabéns, era um orgulho conhecer toda essa gente, como foi quando soube que a águia tinha sido escolhida para spot publicitário dessa competição. O jogo que mais recordo foi um contra o Porto: fui à zona onde estavam os adeptos portistas, atiraram-me de tudo para cima, mas ganhámos, que era o mais importante.
— Mas tudo tem um fim, e o seu no Benfica também chegou…
— A vida é como um rebanho de ovelhas, se não te destacas em nada os lobos não te comerão, mas se tens êxito, como eu tive a nível mediático, os inimigos e as invejas começam a aparecer. Quando cheguei comecei a trabalhar com o Silva Cardoso e o Mário Dias. Entendia-me muito bem com eles, fizemos uma boa amizade, eles em nome do Benfica fizeram comigo um contrato de palavra que me autorizava a ter patrocinadores, a fazer toda a espécie de publicidade e campanhas de marketing, criei com a águia um império mediático, ganhava bem, tinha um bom meio de vida. Quando eles saíram eu fiquei à deriva. Os novos opuseram-se a isso, queriam também ganhar e ficar com tudo. Para eles era muito chato que a águia fosse minha e encostaram-me à parede. Também não gostaram que o meu irmão, que morreu há pouco tempo com 41 anos, tivesse ido com a águia Olímpia ao estádio da Lazio. Achavam que os voos eram uma exclusividade do Benfica, mas isso não existia. Tudo ia de mal a pior até que um dia perdi a razão e tive um problema com o novo chefe de segurança, no dia que mo apresentaram não me apertou a mão porque, disse-me ele, não gostava de espanhóis. Ele era um antigo militar amigo de Luís Filipe Vieira, que fazia o que os do marketing lhe mandavam. Houve um jogo em que ele não me queria deixar entrar no estádio pelo túnel por onde durante sete anos eu sempre tinha entrado. Quis humilhar-me. Não me controlei e pus-lhe a mão em cima. Aí terminou tudo. Moveram-me uma ação por difamação e agressão, eu não fui ao julgamento, a pena foi de 800 euros a pagar aos três denunciantes. Saí do Benfica com muita pena, foram uns anos magníficos. Esqueço as coisas más e fico com as boas, que foram muitas e nunca esquecerei.
— O Benfica pagava-lhe um ordenado?
— Sim. Tenho uma carta do Luís Filipe Vieira na qual agradece o que tinha feito pelo Benfica e me oferecia um contrato de 10 mil euros por mês. Parece muito, mas não se pode esquecer que eu fiz com que, pela primeira vez em todo o Mundo, uma águia voasse dentro de um estádio. A ideia foi minha e tinha um grande valor.
— No Benfica conheceu vários treinadores. Como eram?
— Tive a honra de ter trabalhado com José Antonio Camacho, Giovanni Trapattoni, Quique Flores, Ronald Koeman e Jorge Jesus. Todos eram boas pessoas e grandes treinadores. O que aprendi com eles é que o mais importante no futebol não são as táticas nem os métodos de treino — o grande segredo está no balneário, onde com frequência há invejas e intrigas, o êxito dos treinadores está em procurar erradicar tudo isso e procurar criar um ambiente familiar, respeitoso e descontraído, Trapattoni e Jesus conseguiram-no e isso ajudou muito a que tenham sido campeões. Tenho que dizer que para mim foi um grande prazer ter trabalhado com o Rui Costa, conheci-o quando ainda era jogador, quando voltou ao Benfica estive na sua apresentação com 30 mil adeptos a recebê-lo e nesse dia fiz voar a águia só em sua honra. Rui Costa é uma pessoa de ouro, maravilhosa, muito competente para ocupar qualquer lugar, mas está bem como presidente do Benfica, porque é um grande benfiquista.