Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) indicam que a taxa de desemprego do segundo trimestre de 2025 diminuiu e agora se situa nos 5,9% da população. Atualmente, Portugal tem mais de cinco milhões de pessoas com emprego.
Em parceria com a Netsonda, o Observador revela qual é a realidade do Trabalho em Portugal. Qual é o regime de trabalho mais comum? Segundo os inquiridos, o teletrabalho adotado durante a pandemia de covid-19 tem vindo a perder terreno para o trabalho presencial. Contudo, a maioria das pessoas avalia de forma positiva o equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal.
Cruzando informação recolhida em seis regiões do território continental (Grande Lisboa, Grande Porto, Litoral Centro, Litoral Norte, Interior Norte e Sul), e analisando as respostas dadas pelas diferentes gerações, a Netsonda conduziu um inquérito sobre o Trabalho no país. Estes são os principais resultados.
Por maiores que sejam as queixas a surgir entre os vários setores profissionais, seja pelos baixos salários, condições de trabalho ou qualquer outra coisa que apareça em virtude da atividade, de uma forma geral, os portugueses fazem aquilo que gostam. De acordo com o inquérito da Netsonda, 72% dos trabalhadores manifestaram estar a exercer numa área de interesse pessoal, com metade dos participantes a revelar que gosta do seu trabalho “na maioria das vezes”. Apenas 5% admitem não gostar.
“Normalmente, as pessoas gostam do conteúdo do seu trabalho. Aquilo que muitas vezes afeta o seu envolvimento é mais a nível de condições ou de suporte da organização”, esclarece ao Observador a psicóloga Liliana Dias, especialista em Bem-estar no Trabalho. Apesar de ser diferente gostar daquilo que fazem e fazer aquilo que gostam, a tendência que se observa neste estudo é coerente para as mais diferentes demografias analisadas. Entre gerações, escalões de rendimento e região territorial, de uma forma homogénea, os portugueses estão satisfeitos com o trabalho que fazem.
A mudança de perspetiva fica mais vincada quando se altera a questão. Não tendo em conta o tipo de trabalho exercido, 63% dos inquiridos avaliam como positivo ou muito positivo o equilíbrio entre a sua vida pessoal e profissional. Apesar de o parecer ser maioritariamente positivo — apenas 11% dos inquiridos deram nota negativa — há uma diferença notável que se verifica entre os agregados com rendimento mensal líquido superior a 3.000€, em comparação com aqueles que auferem entre 1.500€ e 3.000€ (74% consideram muito positivo/positivo vs. 59%, respetivamente).
A especialista na área da Saúde e Bem-estar no Trabalho acrescenta que o modelo híbrido de trabalho, no qual as pessoas dividem a sua semana entre trabalho remoto e presencial, tem vindo a trazer grandes benefícios nesta métrica. “Há uma maior flexibilidade [horária] e as pessoas acabam por sentir que têm uma maior capacidade de gerir as suas prioridades”, refere a psicóloga. Desta forma, Liliana Dias acredita que tem havido “alguns ganhos” nos últimos anos em encontrar um maior equilíbrio entre a vida dentro e fora do trabalho.
Contudo, admite que algumas empresas já estão a “fazer um retrocesso”, apontando para a tendência de algumas organizações estarem a reverter este regime laboral e a regressar ao trabalho inteiramente presencial, o que acredita trazer um maior desequilíbrio nesse sentido. “Estamos a vivenciar um movimento em que as empresas começam a querer trazer as pessoas de volta para um regime totalmente presencial e não sei se não voltaremos a ter indicadores mais críticos do ponto de vista de conciliação [entre vida pessoal e profissional]”.
Mais de metade dos trabalhadores portugueses consultados pela Netsonda revelaram que fazem aquilo que gostam e que têm um equilíbrio positivo entre a sua vida pessoal e profissional. Os dados neste sentido são relativamente uniformes em toda a população, mas o paradigma muda relativamente aos fatores que influenciam estas respostas.
Os 800 inquiridos foram questionados sobre o que mais valorizam no seu trabalho, e as preferências revelaram ser mais dispersas. As mais comuns, com quase metade (49%) dos participantes a votar nestas duas opções, são a estabilidade e um bom ambiente profissional. O terceiro lugar foi para o ordenado, com 46% das respostas. Quando se olha para as respostas dadas pelos diferentes escalões de rendimentos, pelas diferentes gerações ou até mesmo entre géneros, a ordem e a preponderância varia consideravelmente.
O ordenado e o bom ambiente de trabalho são as duas grandes prioridades para mais de metade (55%) da Geração Z. Segundo a psicóloga Liliana Dias, estas respostas podem ser justificadas principalmente pelo facto de “os jovens terem o salário mais baixo”. “Geralmente, o ordenado [dos mais jovens] é o de entrada no mercado e, por isso, a prioridade deles é conseguir otimizar-se financeiramente”, afirma a especialista. Para os Baby Boomers, que se encontram já numa “reta final” de atividade profissional, a grande prioridade é a estabilidade (48%), enquanto o ordenado recebeu apenas 34% das respostas — o mais baixo de todas as gerações.
O que valoriza mais no seu trabalho?
Rendimento Mensal Líquido
Até 1.000€
1.001 – 1.500€
1.501 – 2.000€
2.001 – 3.000€
Mais de 3.000€
Fonte: Netsonda
“Tem muito a ver com os riscos do próprio mercado de trabalho. Ou seja, se tiverem uma situação instável, vai ser muito mais difícil recuperar essa estabilidade, estando na faixa etária em que estão, porque existe, neste caso, muita limitação da oportunidade de entrada com esta idade no mercado”, explica Liliana Dias, advertindo que, para os casos daqueles que têm mais de 60 anos, “o trabalho é muito mais difícil de conseguir recuperar” comparativamente a um jovem, sublinhando o “preconceito, idadismo e as dificuldades” que existem em muitos casos.
No caso dos escalões de rendimento, a realidade opõe-se um pouco àquilo que talvez fosse o esperado. Os participantes que recebem menos de 1.000€ euros por mês, na sua grande maioria (61%) colocam no topo da lista um bom ambiente de trabalho. Do outro lado da moeda, os que têm rendimentos mensais superiores a 3.000€ euros, mantêm que o ordenado é o mais importante do seu trabalho. A faixa dos 1.000€ euros é “muito comum”, de acordo com a especialista ouvida pelo Observador, é onde existem “muitas pessoas”. Porém, são as que têm “menos influência”.
“O ambiente de trabalho tem muito mais impacto nas pessoas que ganham menos, porque elas na verdade têm muito menos poder de influência nesse ambiente de trabalho. Enquanto as pessoas que têm mais salário, ganham muito mais, normalmente acedem também a nível de responsabilidade de autonomia maior e influenciam mais o ambiente de trabalho”, continua Liliana Dias, sublinhando que uma boa atmosfera no espaço laboral poderá influenciar a própria qualidade do trabalho deste escalão mais inferior, e não tanto nos que mais recebem.
A psicóloga menciona também que, como é uma faixa de rendimento onde se inserem “muitas pessoas”, existe também uma grande quantidade de trabalhadores que ascende a outros níveis de rendimentos e passa a receber um salário maior. Desta forma, estes que já “saíram deste marco”, acabam por dar mais valor ao ordenado que recebem e às “novas conquistas” que agora estão ao seu alcance — e não querem voltar atrás.
À semelhança do que acontece entre os que recebem menos, as mulheres também priorizam esta questão do ambiente de trabalho (54%) — enquanto os homens dão mais importância ao ordenado (50%) — e, de acordo com Liliana Dias, deve-se à realidade da maioria das organizações. “Temos de olhar para esta questão da assimetria de poder. Os homens continuam a ter muito mais poder de influência no local de trabalho do que as mulheres. A mulher sente-se muito mais à mercê. Tem mais impacto psicológico no ambiente de trabalho, porque se sente menos empoderada”, afirma a especialista.
No inquérito da Netsonda, os participantes foram também questionados sobre o seu regime de trabalho. A grande maioria (85%) tem um contrato de trabalho, entre os quais 65% são sem termo, e 21% a termo certo. Nota-se, porém, que os contratos sem termo são menos comuns entre os mais jovens. Apenas 45% da Geração Z revelou estar contratado neste regime, existindo uma considerável representação de trabalhadores em contratos a termo certo (38%). Esta realidade difere do que é possível observar nas outras faixas etárias.
Para as restantes gerações, a diferença entre contratos sem termo e a termo certo é mais vincada. Nos Millennials, são 64% dos trabalhadores nesta primeira opção, enquanto a Geração X tem 72%. Diminui nos Baby Boomers para os 48%, mas o segundo lugar — ao contrário do que acontece nas outras gerações — não é dos contratos a termo certo. 21% da população na faixa etária mais avançada englobada pelo estudo revelam ser trabalhadores independentes ou freelancers, uma métrica que é significativamente mais alta do que nas restantes.
Verifica-se um paralelismo entre as realidades dos mais jovens e os que menos recebem. 45% dos inquiridos com rendimentos mensais inferiores a mil euros estão sob contrato sem termo, ao mesmo tempo que esta condição contratual representa 70% da população que aufere mais de 3.000€ por mês. Os participantes com rendimentos mais inferiores são, também, os mais representados entre os empresários por conta própria, com 11%.
Na procura de emprego ou novas oportunidades, o canal online é o mais utilizado, com destaque para plataformas tipo LinkedIn (59%) e os próprios sites das empresas a que se querem candidatar (51%). Estes dois meios são essencialmente os únicos utilizados pelas gerações mais jovens, com 85% da Geração Z a recorrer às plataformas online para encontrar novas oportunidades profissionais. Em contraste, os Baby Boomers, quando estão nesta mesma situação, o mais comum é recorrer também a agências de recrutamento (48%) — para além dos sites de empresas (55%) — deixando o LinkedIn para terceiro plano.
Referências pessoais são mais comuns entre os jovens até aos 28 anos (51%), ao passo que as gerações mais velhas têm uma maior percentagem de trabalhadores sem o hábito de procurar emprego (30% da Geração X e 24% dos Baby Boomers).
Quando passam a exercer funções numa organização, o mais comum (67%) continua a ser o trabalho 100% presencial, apesar do crescimento do regime híbrido de teletrabalho (22%), ou até mesmo totalmente à distância (8%). Liliana Dias, psicóloga na área da Saúde e Bem-estar no Trabalho, admite ao Observador que o teletrabalho tem “vantagens e desvantagens”, entre um “aumento generalizado da produtividade” e um “custo social muito elevado”.
A especialista sublinha os “ganhos” que os trabalhadores tiveram fruto da adoção destes regimes híbridos. “As perceções de conciliação [com a vida pessoal]” e as questões de “redução de nível de stress” são duas das maiores vantagens destacadas por Liliana Dias, mas refere que não é algo que seja universal para todos os trabalhadores. “O modelo híbrido tem de ter uma balança básica. O que funciona, de facto, não é o modelo 100% presencial ou 100% remoto, é haver flexibilidade”, acrescenta.
Atualmente, tem algum regime de teletrabalho?
Percentagem de pessoas que respondeu
“Sim, totalmente” ou “Sim, parcialmente”
40%
35%
30%
25%
20%
15%
Grande Lisboa (41%)
Grande Porto (41%)
Litoral Norte (24%)
Litoral Centro (28%)
Interior Norte (23%)
Sul (21%)
Fonte: Netsonda
Entre os trabalhadores inquiridos que estão sob regime híbrido de teletrabalho, 40% refere deslocar-se três vezes ao local de trabalho durante a semana. De acordo com a psicóloga, não existem dados que apontem para um número de dias mais eficaz — tudo depende de cada trabalhador. O que defende, no entanto, é um maior esforço das empresas para personalizarem os horários. “Existem organizações que sabem que querem reter [os mais jovens] e estão a flexibilizar-se ainda mais. Estão a permitir que as pessoas possam desenhar a forma como trabalham”, refere.
Liliana Dias diz que a Geração Z é a faixa etária que mais valoriza a flexibilidade e o equilíbrio e, como tal, as empresas começaram a “ceder” para permitirem os jovens trabalhadores “cumprirem aqueles que são os seus objetivos” e “acrescentarem o seu valor” no trabalho, deixando-os, assim, definir os seus horários. Esta procura, segundo a psicóloga, não é tão visível nas gerações mais velhas. A especialista menciona “os valores de uma geração digital face a estes modelos arcaicos de inflexibilidade e de assimetria”, sublinhando que “os jovens não se vão sujeitar” às mesmas condições que eram a norma há alguns anos.
E, de acordo com a psicóloga, “não estão inteiramente errados”. “A flexibilidade traz saúde e valor acrescentado para a produtividade também. O poder escolher os meus dias de descanso ou poder ter mais flexibilidade para ter outras questões do foro pessoal traz benefícios para a entidade empregadora e para o próprio colaborador”, remata, apontando para “os dados que a Ciência já nos mostrou”.
Num contexto nacional, este regime de teletrabalho tem maior incidência nas regiões da Grande Lisboa e Grande Porto, com 41% dos cenários em cada uma das cidades, enquanto a realidade no resto do país tem, na sua grande maioria, trabalhos que exigem uma deslocação diária ao escritório ou local de trabalho.
No calendário atual, existem 13 feriados obrigatórios (com a possibilidade de se tornarem 14 com a terça-feira de Carnaval). Com as interrupções municipais, somam-se várias oportunidades distribuídas por todo o ano para um dia de descanso para a grande parte dos trabalhadores em Portugal. 65% dos inquiridos acredita que o número atual de feriados é adequado, mas 22% admitem que há espaço para encaixar mais uns quantos.
A opinião sobre o impacto que estes dias têm na produtividade profissional varia significativamente entre gerações. Os mais jovens, da Geração Z, são quem mais acredita num efeito verdadeiramente positivo em ter estes momentos de descanso intercalados pelo ano. Até aos 28 anos, 68% dos participantes aponta para este benefício, enquanto apenas 29% dos Baby Boomers — a geração mais velha — concorda.
“A Geração Z dá muita importância a não trabalhar. Para elas, esta dimensão da vida não tem qualquer sentimento de culpa ou vergonha. A perceção que tenho é que os jovens olham para o fim de semana, para os feriados e dão valor a esse tempo livre, o que é fundamental”, esclarece a psicóloga Liliana Dias. De acordo com a especialista, os trabalhadores mais novos dão mais valor a um trabalho que tenha flexibilidade, com férias ou dias de folga, algo que aumente o “tempo de recuperação e descanso”. “É algo que faz parte do próprio pacote com que eles avaliam se querem continuar numa determinada empresa ou não. Não querem ficar numa organização que os prenda num modelo e que considere que o seu tempo pessoal é irrelevante”, continua.
Concorda com o número de feriados em Portugal?
Liliana Dias remete ainda para uma abordagem que é feita em outros países na Europa, como a Alemanha ou a Bélgica, que é a possibilidade de concentrar os feriados junto ao fim de semana, com o objetivo de evitar interrupções durante a semana ou até mesmo dar um dia extra de descanso caso o dia fixo do feriado calhe a um sábado ou domingo. A população do estudo também foi questionada sobre esta medida e 59% das pessoas concordam com a proposta, sendo que 21% discorda e os restantes 20% mantêm uma posição neutra.
Ainda assim, 27% das pessoas com agregados com quatro pessoas discorda desta medida — a classe mais representada nesta estatística. Entre jovens e mais velhos a diferença não é tão marcante, mas a psicóloga volta a salientar a diferente mentalidade entre os novos trabalhadores e aqueles com maior experiência de vida profissional. “Esta visão de que uma pessoa deveria estar grata por uma oportunidade de trabalho. Grata pelo empregador — o que cria logo uma posição assimétrica”, descreve a especialista.
Desta forma, acredita que, no ponto de vista de uma percentagem dos Baby Boomers, “mexer nos feriados seria alterar a ordem social”. Aqui, nota uma grande separação. Enquanto os mais velhos — “as vozes arcaicas” — são menos adeptas da mudança do regime de trabalho que conhecem e experenciaram, os mais jovens estão “menos disponíveis” para este tipo de registo.
Este inquérito foi realizado pela Netsonda em colaboração com o Observador, entre os dias 14 e 21 de julho de 2025. O estudo foi realizado através da aplicação de um questionário online junto do painel Netsonda. O universo-alvo é composto por uma amostra representativa de indivíduos com 18 a 64 anos residentes em Portugal continental. Os inquiridos foram informados do objetivo do estudo e demonstraram vontade de participar. Foram recolhidas 800 entrevistas online (CAWI). Esta dimensão amostral está associada a uma margem de erro de 3,46%, com um nível de confiança de 95%.