Astrônomos observaram o que estão chamando de um novo tipo de supernova, que forneceu uma visão sem precedentes do que acontece nas profundezas de uma estrela pouco antes de sua explosão. Um estudo detalhando a descoberta surpreendente foi publicado na quarta-feira (20) na revista Nature.
Estrelas massivas são como cebolas cósmicas: suas camadas externas são formadas por elementos leves, como hidrogênio e hélio, enquanto camadas de elementos mais pesados ficam abaixo. Essas estrelas, que podem ter de 10 a 100 vezes a massa do nosso Sol, são alimentadas pela fusão nuclear — um processo no qual elementos mais leves se fundem para formar elementos mais pesados.
As estrelas começam sua vida com uma composição de cerca de 75% de hidrogênio e 25% de hélio, com pequenas quantidades de carbono, nitrogênio, silício e outros elementos, explicou Adam Miller, coautor do estudo e professor assistente de física e astronomia na Northwestern University.
Por meio da fusão, que ocorre no núcleo da estrela, onde a temperatura e a densidade são mais altas, o hidrogênio se converte em hélio, formando as camadas externas da estrutura em “cebola”. Ao longo da vida da estrela, o processo continua, fundindo elementos leves para criar elementos mais pesados e, com o tempo, adicionando camadas internas de silício, enxofre, oxigênio, neônio, magnésio e carbono, sob as camadas de hélio e hidrogênio.
No fim da vida da estrela, após a formação de todas essas camadas gasosas, surge o núcleo de ferro, explicou Miller.
A fusão libera energia, que gera pressão suficiente para impedir que a estrela colapse sob sua própria gravidade. Mas, quando as estrelas tentam fundir o ferro do núcleo em elementos mais pesados, não há energia suficiente para manter essa pressão. Como resultado, o núcleo entra em colapso, levando à explosão estelar.
No entanto, nada ocorreu como o esperado quando os astrônomos observaram uma supernova inédita, batizada de SN2021yfj. Muito antes da explosão, a estrela já havia perdido suas camadas externas de hidrogênio, hélio e carbono. Então, pouco antes de explodir, liberou uma camada oculta de elementos relativamente pesados, como silício, enxofre e argônio, que raramente são observados em estrelas moribundas.
A explosão “iluminou” essa camada expelida, revelou Miller. “É a primeira vez que vemos uma estrela essencialmente reduzida até o osso”, afirma o autor principal do estudo, Steve Schulze, pesquisador do Centro de Exploração Interdisciplinar e Pesquisa em Astrofísica da Northwestern University.
“Isso mostra como as estrelas são estruturadas e prova que podem perder muito material antes de explodirem. Elas não apenas perdem suas camadas externas, mas podem ser totalmente despidas e ainda assim produzir uma explosão brilhante observável a distâncias extremamente grandes.”
A descoberta fornece evidência direta da estrutura interna das estrelas massivas — algo teorizado há muito tempo, mas difícil de observar — e desafia as formas convencionais com que os astrônomos entendem a evolução estelar.
“Esse evento literalmente não se parece com nada que alguém já tenha visto”, diz Miller. “Era tão estranho que pensamos que talvez nem estivéssemos observando o objeto certo. Essa estrela está nos dizendo que nossas ideias e teorias sobre a evolução estelar são muito limitadas. Não é que os livros-texto estejam errados, mas eles claramente não capturam tudo o que a natureza produz. Devem existir caminhos mais exóticos para o fim da vida de uma estrela massiva que ainda não consideramos.”
O ciclo de vida violento das estrelas
Os autores do estudo não sabem exatamente que tipo de estrela existia antes da supernova, mas acreditam que ela tinha uma massa cerca de 60 vezes maior que a do Sol, segundo Schulze e Miller. No entanto, como a camada externa de hidrogênio já havia sido removida antes da explosão, a massa da estrela provavelmente era menor quando se tornou supernova do que no momento em que nasceu, acrescenta Miller.
Já se sabia que estrelas massivas podem perder camadas externas de material antes de explodirem, mas esta estrela perdeu muito mais do que o que havia sido observado até então. Por exemplo, os astrônomos já haviam visto estrelas que perderam sua camada de hidrogênio, mas que ainda estavam envoltas em hélio, carbono e oxigênio.
“As estrelas passam por instabilidades muito fortes”, diz Schulze. “Essas instabilidades são tão violentas que podem fazer a estrela se contrair. Então, de repente, ela libera tanta energia que acaba expulsando suas camadas externas. E isso pode acontecer várias vezes.”
Em algumas explosões de estrelas massivas, elementos como silício e enxofre podem ser observados “misturados” com outros elementos no material ejetado — mas eles nunca tinham sido vistos antes de uma supernova, explicou Miller.
A equipe estimou que a estrela teria precisado liberar uma massa equivalente a três sóis ao longo de sua vida para deixar para trás a concha de silício e enxofre, sugerindo que algumas estrelas passam por perdas extremas de massa em seus estágios finais.
Na supernova única observada, a equipe detectou uma concha espessa de silício e enxofre sendo expelida pouco antes da morte da estrela. Quando ela explodiu, o material de seu núcleo colidiu com essa concha gasosa, e o calor da colisão fez a camada de silício e enxofre brilhar.
“Essa estrela perdeu a maior parte do material que produziu ao longo de sua vida”, afirma Schulze. “Portanto, só conseguimos ver o material formado nos meses imediatamente anteriores à explosão. Algo muito violento deve ter acontecido para causar isso.”
Um acaso cósmico
A equipe descobriu a supernova em setembro de 2021, utilizando a instalação de observação Zwicky Transient Facility, no Observatório Palomar, no sul da Califórnia. O Zwicky, que varre o céu noturno com uma câmera de grande campo, tem fama de ajudar astrônomos a descobrir fenômenos transitórios, ou seja, eventos cósmicos passageiros, como supernovas que brilham e desaparecem rapidamente.
Ao analisar os dados em busca de evidências de supernovas, Schulze notou um objeto que aumentou de brilho de forma rápida, localizado a 2,2 bilhões de anos-luz da Terra. (Um ano-luz é a medida da distância que a luz percorre em um ano; portanto, esse aumento no brilho ocorreu há 2,2 bilhões de anos.)
Para compreender melhor o que estavam observando, a equipe queria analisar o espectro do objeto — ou seja, os comprimentos de onda da luz colorida, sendo que cada cor revela a presença de um elemento diferente. Mas o Zwicky só mede variações no brilho total e não era capaz de capturar o espectro. No início, parecia que nenhum outro telescópio tinha registrado uma imagem clara da supernova. No entanto, Yi Yang, hoje professor assistente na Universidade Tsinghua, na China, conseguiu observar o objeto usando o Observatório W. M. Keck, no Havaí, e capturou o espectro.
Normalmente, a busca por supernovas é feita com telescópios menores, como o Zwicky, que medem brilho, e depois telescópios maiores, como o Keck, são usados para analisar a composição química do gás ejetado pela explosão, explicou Miller.
“Sem esse espectro”, diz o pesquisador, “talvez nunca tivéssemos percebido que se tratava de uma explosão tão estranha e incomum.”
A equipe compartilhou o espectro com Avishay Gal-Yam, reitor da Faculdade de Física e professor de física de partículas no Instituto Weizmann de Ciências, em Israel. Gal-Yam, coautor do estudo e especialista em supernovas, identificou as características misteriosas no espectro, que se revelaram ser silício, enxofre e argônio, contou Schulze.
Mistérios estelares
A equipe ainda não tem certeza do que levou a estrela a liberar a concha de silício e enxofre, mas considera algumas possibilidades: a interação com uma estrela companheira, ventos estelares excepcionalmente fortes ou até uma enorme erupção antes da supernova.
No entanto, os autores do estudo tendem a acreditar que a própria estrela pode ter se despedaçado.
Seja qual for a causa, a equipe classificou a descoberta como um tipo inteiramente novo de supernova, chamado de supernova do tipo Ien, segundo Miller.
As classificações de supernovas são baseadas na presença de diferentes elementos. As do tipo II incluem hidrogênio, as do tipo Ib contêm hélio mas não hidrogênio, e as do tipo Ic têm oxigênio, mas não hélio nem hidrogênio. Cada tipo revela camadas mais profundas da estrela.
“Costumamos pensar que as estrelas massivas seguem uma sequência”, diz Miller. “Chamamos essa nova descoberta de supernova Ien porque o silício, o enxofre e o argônio só estariam presentes nas camadas mais profundas e internas de uma estrela massiva.”
Stefano Valenti, professor associado do departamento de física e astronomia da Universidade da Califórnia, em Davis, diz que nunca havia visto um espectro como o observado no estudo. Embora já tenha pesquisado supernovas incomuns, ele não participou desta pesquisa.
“É claramente algo novo”, afirma Valenti. “Essa descoberta está nos mostrando que o ‘zoológico’ dos fenômenos astronômicos transitórios ainda não está completo e que grandes levantamentos de céu, como o do Observatório Vera C. Rubin, provavelmente nos darão a oportunidade de descobrir novos tipos de transientes.”
Ter apenas um exemplo desse tipo de supernova reforça a necessidade de encontrar outros casos para compreender melhor sua natureza, destaca Miller — embora isso seja desafiador. O Observatório Rubin poderá identificar pelo menos 1 milhão de supernovas, mas não mede seus espectros. No artigo, a equipe mostrou que até mesmo um modelo simples de aprendizado de máquina não teria identificado a supernova como rara apenas com base em seu brilho.
“Para mim, a grande questão em aberto é: com que frequência esse tipo de explosão ocorre no Universo?”, escreveu Miller em um e-mail. “Será que tivemos uma sorte incrivelmente, incrivelmente grande? Ou será que existem muitas dessas supernovas por aí, mas ainda não estávamos procurando da forma correta para encontrá-las?”