Discutir um assunto como o direto à morte nunca é fácil. Se a Lei da Eutanásia não é unanimidade nem nos país que já oficializaram, promover um debate sobre o tema sem que uma das partes (a favor ou contra) se sinta atacada é um grande desafio. É por isso que Sonhar com Leões, novo filme do diretor luso-grego Paolo Marinou-Blanco, surge em um momento propício e serve como exemplo de como abordar o tópico com o respeito necessário.
Não que conversar sobre a morte sem o peso que leva a palavra seja novidade para o cineasta, que já o fez de forma descontraída no bom Nada nas Mãos. Mas Sonhar com Leões mostra uma evolução em sua forma de conduzir narrativas, já que o uso constante da quebra da quarta parede pela protagonista Gilda (Denise Fraga), mulher com câncer terminal em busca de encerrar sua dor, parece quase uma carta ao espectador. Gilda promove a ideia de que o direito de dar fim à sua vida é digno; ela quer se despedir à sua maneira, dentro de suas próprias escolhas, antes que sucumba às piores mazelas de sua doença.
O que Marinou-Blanco (que também assina roteiro) propõe é um olhar sincero e de forma leve para um assunto cabeludo. Nem Gilda, nem os outros personagens que aceitam à proposta de uma multinacional do mercado farmacêutico de fazer essa transição da vida para a morte querem sofrer até morrer. E dentro desta análise psicofilosófica o diretor ainda discute os abusos do capitalismo, já que até mesmo na busca para pelo ponto final definitivo ainda aparecem os tentáculos dos grandes empresários querendo lucrar.
Não pense, no entanto, que Sonhar Com Leões fique apenas entregue ao humor mórbido desta discussão. Gilda, potencializada pela atuação trifunfal de uma Denise Fraga brilhante, é o retrato de uma pessoa em busca de um novo sentido da vida mesmo em sua reta final. O uso da quebra da quarta parede é uma alusão à esta busca, já que o papo entre Gilda e o espectador é uma maneira de ela falar sobre este assunto sem o julgamento do marido (Roberto Bomtempo), que já não aguenta mais as seguidas tentativas de suicídio. Somos a válvula de escape de sua protagonista até que ela passe a se aproximar mais de Amadeu (João Nunes Monteiro), jovem agente funenário que, também com doença terminal, também deseja a morte assistida.
A jornada tragicômica de Gilda e Amadeu nos leva além de apenas rir dos cinismo de alguém que já não liga mais para nada. No fundo, ambos ainda ligam, sim, para a vida. Ela serve como uma reflexão para entendermos e (talvez) aceitarmos que a hora do fim deve ser uma decisão particular de cada um. Nas palavras da própria protagonista, não devemos sentir pena, e a leveza com a qual trata as decisões de Gilda é onde Marinou-Blanco prova que acertou em optar pelo formato cômico. Mas o humor só funciona porque acreditamos e nos importamos com estes personagens, assim como somos capazes de rir da busca suicída de Ricky Gervais na ótima After Life, mesmo que esta não tenha aspirações tão filosóficas quanto o longa, para ficar em apenas um exemplo de outras produções que também abordam o direito à morte.
O que funciona tão bem na primeira metade do longa também é o motivo da queda de ritmo quando chegamos à segunda. Quanto mais Gilda e Amadeu encontram novos caminhos, mais ela se distancia do espectador e, com isso, as quebras desaparecem. Por mais que narrativamente faça sentido para o texto do diretor, isso aponta para como Sonhar Com Leões é um tanto refém da força de sua protagonista. Mas como a proposta original sempre foi questionar, duvidar, provocar, Marinou-Blanco pode dormir tranquilo que sua missão foi cumprida.
Sonhar Com Leões
Ano:
2025
País:
Brasil
Classificação:
14 anos
Direção:
Paolo Marinou-Blanco
Elenco:
Denise Fraga
Onde assistir: