Espanha viveu uma das ondas de calor mais longas de sempre e em Madrid, num dos bairros mais pobres da capital espanhola, Puente de Vallecas, a temperatura na rua marcava 41,4 graus Celsius, ao início da tarde, esta semana.

Algumas centenas de metros mais abaixo, a temperatura era de 38,6 graus.

A diferença? Uma secção da rua não tinha árvores, enquanto a outra era sombreada por uma fileira de amoreiras frondosas.

Vários estudos científicos têm demonstrado que as árvores podem desempenhar um papel fundamental na atenuação dos efeitos muitas vezes mortais das ondas de calor. À medida que as temperaturas em Espanha aumentam devido ao aquecimento global, e as ondas de calor se tornam mais frequentes e mais duradouras, podem desempenhar um papel crucial na regulação das temperaturas.

No entanto, grupos de activistas afirmam que Madrid tem vindo a perder cobertura arbórea, particularmente em alguns dos bairros mais pobres, e estão a pressionar o presidente da câmara municipal para plantar mais.





Impacto imediato na saúde

“A diferença entre ter ou não ter árvores na nossa rua tem um impacto imediato na nossa saúde“, disse Manuel Mercadal, membro do grupo Colectivo Vallekas Sostenible, que tem medido as diferenças de temperatura nas ruas de Vallecas para aumentar a sensibilização.

San Diego, uma parte de Puente de Vallecas, registou algumas das temperaturas mais elevadas da capital espanhola, de acordo com um estudo da Universidade Politécnica de Madrid, que identificou as chamadas “ilhas de calor urbanas“, onde as temperaturas chegam a ser oito graus mais elevadas do que noutras zonas da cidade, como os parques.

O calor é agravado pela falta de ar condicionado, porque muitas famílias não têm dinheiro para o comprar, disse Pablo Chivato, coordenador da associação de moradores de Puente de Vallecas.


As ondas de calor mais frequentes estão a afectar os idosos, especialmente os que têm problemas cardíacos subjacentes, disse Antonio Cabrera, médico de família num centro de cuidados primários em La Elipa, no sudeste de Madrid.

“Tradicionalmente, as taxas de mortalidade mais elevadas estavam associadas ao Inverno nos países europeus. Actualmente, para as pessoas com idades compreendidas entre os 80 e os 90 anos e com múltiplos problemas de saúde, esta é a altura do ano em que muitas morrem”, afirmou Cabrera.

Conflitos em torno das árvores

Com o aumento das temperaturas, as árvores tornaram-se uma questão política. O presidente da câmara de Madrid, José Luis Martinez-Almeida, entrou em confronto com activistas por causa das árvores desde que assumiu o poder em 2019, em particular por causa dos planos de abate de mais de 1000 árvores para a extensão de uma linha de metro.

Os dados oficiais mostram que, embora o número total de árvores tenha aumentado 2,4% durante o mandato de Almeida, esse aumento verificou-se sobretudo nos bairros de rendimento médio em expansão na zona Leste da cidade. Todos os bairros da zona Sul, com excepção de um, perderam árvores.

Puente de Vallecas perdeu 1314 árvores, ou 3% do seu coberto arbóreo total desde 2019.

Parte da perda foi causada por uma forte tempestade de neve em 2021, que matou 80.000 árvores. Mas muitas também são abatidas quando a cidade embarca em projectos de construção.

“Madrid é uma das cidades mais arborizadas do mundo. Este facto contribui de forma muito positiva para atenuar o efeito de ilha de calor”, declarou o departamento ambiental da Câmara Municipal, acrescentando que tinha aumentado em 40% o seu orçamento para a manutenção e melhoria dos espaços verdes.

O partido de esquerda Más Madrid comprometeu-se a plantar mais 75.000 árvores, de modo a que a cidade tenha uma árvore a cada sete metros.

A lei costumava estipular que as árvores abatidas deviam ser substituídas, mas uma reforma recente significa que as autarquias locais podem, em determinadas circunstâncias, criar um fundo para pagar o que teria custado a plantação de novas árvores, explicou Lola Mendez do grupo ambientalista Ecologistas em Acção.

Espaços vazios

O gabinete de Martinez-Almeida disse terem sido plantadas cerca de 40.000 árvores em espaços onde já tinham existido árvores, ao abrigo de um plano anunciado em 2022.




Em Julho de 2022, durante a segunda onda de calor do ano, o termómetro marcava 49 graus Celsius na Gran Via, em Madrid
REUTERS/Isabel Infantes

Os dados publicados pelo município em 2023 indicam que foram plantadas 1318 árvores em Puente de Vallecas, mas que 719 espaços vazios foram tapados. O município informou que não podia fornecer dados mais recentes.

Chivato disse que sua associação de moradores trabalhou com o município para plantar árvores em 75% dos espaços deixados vazios no bairro Puente de Vallecas, em San Diego. Mas muitos dos locais onde antes havia árvores continuam vazios.

Reuters