O ainda governador falhou no “teste da independência política” para continuar no cargo para um segundo mandato. Esse teste, na perspetiva do Governo, é o sair ou não diretamente do Governo para o cargo, que é como “mudar de barco sem molhar os pés”. A analogia foi feita esta quinta-feira pelo ministro da Presidência, António Leitão Amaro, quando questionado sobre as razões que levaram o Governo a não renovar o mandato de Mário Centeno e a escolher Álvaro Santos Pereira para o cargo.
Formalmente, cabe ao ministro das Finanças propor o nome para o cargo de governador, mas Miranda Sarmento esteve ausente do briefing porque foi aprovada uma reforma “muito mais importante” para a economia portuguesa do que a liderança do Banco de Portugal. O que explicava a presença da ministra do Trabalho. Mas Maria do Rosário Palma Ramalho acabou por não dar grandes detalhes do anteprojeto de reforma da lei laboral que o Governo aprovou porque iria apresentá-la em primeira mão aos parceiros sociais na mesma tarde.
Coube ao ministro da Presidência responder às muitas perguntas sobre o processo de escolha do novo governador. Leitão Amaro evitou revelar a apreciação feita pelo Governo do trabalho de Mário Centeno à frente do Banco de Portugal para justificar porque é que Álvaro Santos Pereira é a melhor escolha, sobretudo melhor do que manter o atual governador. Isto na perspetiva do Governo.
António Leitão Amaro “político” citou o “António Leitão Amaro académico” na sua tese de doutoramento sobre a independência dos bancos centrais (curiosamente orientada por um dos nomes falados na corrida ao Banco de Portugal — Ricardo Reis). A “boa prática diz que não se deve sair de um Governo para a liderança de um banco central num período mínimo entre dois a três anos. E isto é “mais verdade no caso do governador que tem assento no BCE onde se tomam as decisões sobre a política monetária”. Reconhece, contudo, que há vantagens em ter compreensão do fenómeno político. “Isso pode ser uma mais-valia”, desde que não haja uma passagem que seja “como mudar de barco sem molhar os pés.
Não obstante os elogios à carreira internacional de Santos Pereira como economista, que ganhou visibilidade no ano passado ao chegar ao cargo de economista chefe da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), ficou claro que, para o Governo, o grande mérito do futuro governador, face ao atual, é a independência.
A independência do partido (do qual não é militante), a independência do Banco de Portugal (da qual não é quadro) e a independência do Governo (deixou de exercer funções governativas há 12 anos). Ou seja, tudo o que não será aplicável a Mário Centeno.
“Uma coisa é um governador com experiência governativa, outra coisa é um governador saído do Governo para o Banco de Portugal”, sublinhou o ministro da Presidência. Álvaro Santos Pereira, diz, “nunca serviu num partido”. Não está ligado a um partido, esteve no Governo há mais de dez anos e nunca foi candidato por um partido.
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Com Álvaro Santos Pereira, e um serviço prestado durante quase dez anos à OCDE, aos seus quase 30 membros e à economia internacional, “garantimos plenamente a independência”, ainda que falte ao nome indigitado uma experiência no sistema financeiro e bancário. Este tema, bem como a sua passagem de dois anos pelo Governo no tempo da troika, deverão marcar a audição parlamentar do agora indigitado que só irá realizar-se em setembro quando forem retomados os trabalhos parlamentares. O ministro da Presidência não deu explicações sobre a demora do Governo em decidir o cargo de governador, o que obrigará a Centeno a ficar em funções após o fim do mandato.
Apesar de não ser militante do PS, o ex-ministro das Finanças, já no cargo de governador, foi proposto por António Costa para lhe suceder à frente do Executivo PS, quando o então primeiro-ministro se demitiu devido à Operação Influencer em 2023. Mário Centeno era quadro do Banco de Portugal quando foi chamado para liderar a equipa económica dos socialistas em 2015, momento a partir do qual foi lançado como ministro das Finanças. E em 2020, a pandemia não o impediu de seguir a rota previamente combinada com António Costa de suceder a Carlos Costa na liderança do Banco de Portugal.
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O PAN ainda tentou travar a nomeação com uma lei que alterava as regras de nomeação do governador, com a definição de um período de impedimento de cinco anos, mas a proposta foi chumbada no parlamento. Centeno saiu de ministro em junho de 2020 e cerca de um mês depois foi indicado para governador. A nomeação de Centeno foi polémica, apesar do PSD então liderado por Rui Rio não se ter oposto. Para quem atacou a troca de cadeiras, não era uma questão de legalidade, mas sim de ética. Acabou por passar no parlamento uma proposta do PS que impede a nomeação para governador ou administrador do Banco de Portugal de quem, nos três anos anteriores, tenha feito parte dos corpos sociais, prestado serviços – “remunerados ou não” –, ou detido participações sociais iguais ou superiores a 2% do capital social de entidades sujeitas à supervisão do BdP.
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