“Alguns bispos têm ansiedade sobre o peso que isso teria nas suas famílias e na sua própria resiliência caso fossem sujeitos ao tipo de escrutínio e ataques que iriam atrair”, disse um bispo ao The Times, sublinhando que muitos deles não têm a certeza de ser capaz de colocar a sua família “sob esse trauma”. Ao mesmo jornal, o teólogo Andrew Graystone, que se tem destacado na defesa das vítimas de abuso, sublinha que a maioria dos bispos tem “bagagem” no que toca à proteção de menores e preferem “aguentar [nos seus postos] até à reforma”.
A falta de massa crítica poderá ser o maior desafio. Em teoria, a base para a escolha do próximo arcebispo de Cantuária são os 42 bispos diocesanos de Inglaterra, mas algumas dioceses estão atualmente sem bispo e a maioria não quer sequer pensar na possibilidade de ser escolhido. Por essa razão, a comissão já estará a incluir no leque de possíveis escolhas os bispos auxiliares, mais jovens.
O The Guardian nota, por seu turno, que além dos abusos sexuais, outros fatores pesam para que o cargo de arcebispo de Cantuária se tenha tornado “impossível”, incluindo o facto de ter de servir de líder espiritual num “país que, frequentemente, não está interessado em ouvir a sua mensagem”, o facto de ter de intervir na Câmara dos Lordes, o facto de ter de gerir uma Igreja onde as 42 dioceses são bastante ciosas da sua independência — e, sobretudo, ter de liderar espiritualmente uma comunidade religiosa cada vez mais dividida e polarizada.
A partir de Portugal, o bispo Jorge Pina Cabral, que lidera a Igreja Lusitana — a igreja portuguesa que integra a Comunhão Anglicana, sob dependência direta do arcebispo de Cantuária —, diz ao Observador que ele e os cerca de 5 mil anglicanos que vivem em Portugal estão a acompanhar este processo “num espírito de oração, pedindo ao Espírito Santo que ajude os membros da comissão”, para que “estes trabalhos possam dar um bom fruto, não só para a Igreja de Inglaterra e para a Comunhão Anglicana, mas também para as igrejas em geral”.
Para Jorge Pina Cabral, que está à frente da Igreja Lusitana desde 2013, a demora na escolha de um novo arcebispo está diretamente relacionada com a “situação excecional que foi a resignação” de Justin Welby, de que a Igreja de Inglaterra não estava à espera. “Houve que, em primeiro lugar, acomodar esta resignação e só depois começar a tratar da escolha do novo arcebispo”, diz o bispo, sublinhando que o contexto concreto da renúncia de Welby “tornou o processo mais exigente”.
“A resignação ligada às questões da ‘Igreja segura’ [termo genérico usado para as políticas de proteção de menores e adultos vulneráveis] traz uma exigência maior em termos do perfil, da escolha e do passado daquele ou daquela que possa vir a ser escolhido”, diz. “Tem de ser alguém que, na área do seu ministério, não tenha situações ligadas a qualquer tipo de problema relacionado com processos de pedofilia, abusos sexuais e todas essas circunstâncias que estiveram, de certo modo, na base da resignação do arcebispo.”
Esta exigência, diz Jorge Pina Cabral, “torna mais reduzido o leque” dos que podem ser escolhidos. O bispo acredita que uma boa parte do trabalho da comissão passa, atualmente, por fazer background checks a todos os potenciais candidatos. “Qualquer situação que tenha ocorrido no passado está a ser devidamente analisada”, frisa o bispo, destacando que isso não só reduz o número dos possíveis escolhidos, como também “torna o processo mais lento”.