Lisboa assinala hoje o 37.º aniversário do incêndio do Chiado, uma das maiores catástrofes urbanas da capital portuguesa, que mudou para sempre a paisagem daquela zona histórica e a forma como se combate o fogo em Portugal.
Na madrugada de 25 de agosto de 1988, um incêndio deflagrou nos então extintos armazéns Grandella, no Chiado, destruindo 18 edifícios, muitos deles históricos. A tragédia provocou duas vítimas mortais — um bombeiro, Joaquim Ramos, de 31 anos, e um residente, um eletricista reformado do Arsenal da Marinha com cerca de 70 anos — e deixou mais de 50 feridos. Além disso, cinco famílias, num total de 21 pessoas, foram desalojadas e cerca de duas mil pessoas ficaram desempregadas devido à destruição de negócios locais.
O incêndio iniciou-se por volta das 3h30 e, apesar do esforço intenso, só foi dominando pelas 11h00 e dado como extinto às 16h00, tendo consumido quase oito hectares — equivalente a oito campos de futebol — de uma das zonas mais emblemáticas de Lisboa. As causas do fogo nunca foram oficialmente estabelecidas.
O incêndio chegou a desenvolver seis frentes e mobilizou mais de 1.500 operacionais, incluindo bombeiros, PSP, Polícia Judiciária e técnicos de empresas de distribuição de eletricidade e gás. A operação ficou marcada por dificuldades logísticas, especialmente os acessos limitados aos bairros históricos, situação que ainda hoje continua a dificultar a intervenção dos bombeiros em Lisboa.
A época gerou várias polémicas, nomeadamente pela ausência do presidente da Câmara de Lisboa, Nuno Krus Abecassis, que se encontrava de férias. Além disso, floreiras na Rua do Carmo impediram a entrada de veículos de combate a incêndios, comprometendo a rapidez da intervenção.
Perante o risco de propagação do fogo à Baixa da cidade, o vereador Pedro Feist, que assumiu a presidência da Câmara na ausência de Nuno Krus Abecassis, mandou retirar todos os processos que considerava importantes dos Paços do Concelho, numa medida de prevenção à destruição de documentos municipais.
A tragédia matou dois homens e feriu mais de cinquenta pessoas, entre bombeiros e agentes de segurança, com queimaduras e fraturas de diversa gravidade. Joaquim Ramos, o bombeiro que perdeu a vida, ficou com 85% do corpo queimado devido à exposição direta às chamas e gases muito quentes.
Durante cerca de dois meses, os bombeiros permaneceram no local na remoção de escombros, momento em que encontraram a outra vítima mortal, o eletricista reformado.
O incêndio do Chiado tornou-se um ponto de viragem na forma como os fogos urbanos são combatidos em Portugal. Desde então, evoluiu-se significativamente na organização do teatro de operações, nos postos de comando e nos meios utilizados pelos bombeiros.
Apesar dos avanços técnicos e operacionais, os acessos continuam a ser o maior desafio para a intervenção rápida em bairros antigos, onde ruas estreitas, tráfego intenso e estacionamento desordenado dificultam a chegada de veículos e equipamentos essenciais.
O incêndio do Chiado permanece, 37 anos depois, como uma memória coletiva e um alerta permanente sobre a vulnerabilidade das áreas históricas e a importância de medidas estruturais e preventivas para proteger a cidade e os seus habitantes.