Foi em Tires que aterraram celebridades americanas como Madonna e Elon Musk e família, mas esta alternativa é cada vez mais procurada pelos passageiros prime que frequentavam, antes da pandemia, as classes executivas das companhias áreas. O Aeródromo Municipal de Cascais (AMC) é o principal ponto de partida e chegada dos voos executivos — em aviões privados (alugados ou detidos pelos próprios) ou em táxis aéreos (perde apenas para Faro em número de passageiros neste segmento).
Com apenas um voo regular — tratado na gíria da aviação como o “expresso das alheiras” (uma rota com ligação diária a Portimão e Bragança, servindo ainda Viseu e Vila Real) — Tires é a única infraestrutura aeroportuária no continente que pode receber passageiros de fora do espaço Schengen, por ter controlo de passaporte e alfândega, fora do contrato exclusivo da ANA. E já recebe 75% dos voos privados que procuram a região da Grande Lisboa, uma percentagem que tem vindo a consolidar-se com o congestionamento da Portela, e mais de metade dos passageiros que usam este tipo de transporte.
O relatório de 2024 do grupo de trabalho para a transferência da aviação executiva do Aeroporto Humberto Delgado para o Aeródromo Municipal de Cascais (AMC)” assume que Tires poderia vir a receber uma fatia substancial dos voos destes segmentos que foram realizados na Portela em 2023. Mas identifica condicionantes que ainda não foram ultrapassadas. A expansão da pista é uma opção que a proprietária da infraestrutura, a Câmara de Cascais, afasta. E a construção de um nó direto de ligação à A5 depende da negociação com a Brisa.
Se a necessidade de transferir o grosso dos voos executivos para Tires traz oportunidades no curto prazo, a construção prevista do novo aeroporto pode também ser uma ameaça, reconhece o presidente da Câmara de Cascais. “Tires pode sair reforçado ou anulado. Temos de nos mexer”, afirmou Carlos Carreiras ao Observador, justificando assim o plano que a autarquia anunciou em julho de fazer da infraestrutura uma Aeropolis.
Como uma parte importante do futuro depende não da câmara, mas do que vier a acontecer (e a que velocidade vier a acontecer) ao futuro aeroporto internacional de Lisboa, a estratégia da autarquia concentra-se mais em atrair serviços e novas valências no lado terra — manutenção, formação e investigação — do que em aumentar muito mais a capacidade no lado ar.
É uma estratégia para ser desenvolvida pela própria autarquia. O aeródromo que foi criado em 1964 com o nome de Conde Monte Real é um dos ativos geridos pela empresa municipal Cascais Dinâmica e há um interesse em integrar mais a sua gestão com outro equipamento emblemático do concelho — o autódromo do Estoril. Houve um recuo face à intenção anunciada no ano passado de lançar um concurso para concessionar a exploração de Tires a privados. Carlos Carreiras explica que só foi emitido um aviso para potenciais interessados, reconhecendo que a iniciativa “mexeu com muitos interesses”, alguns deles legítimos como os das escolas de aviação que usam Tires.
Com as eleições autárquicas em 2025 e o próprio Carreiras a completar o último de três mandatos, houve também, diz, “muita desinformação” promovida por uma força política — o Chega — que colou uma pressa de entrega da gestão a privados ao suposto interesse de uma empresa com ligação ao crime organizado brasileiro. A câmara deixou cair a concessão, apesar de três ou quatro manifestações de interesse por parte de grupos “idóneos” e aposta agora em potenciar os investimentos que está a fazer na melhoria da infraestrutura.
Com uma faturação de 4,6 milhões de euros de euros no ano passado, o aeródromo já não dá prejuízo há alguns anos, mas o “meu foco não é ganhar dinheiro, mas sim promover a valorização estratégica do concelho”, garante o autarca. E diz que é “um plano consensualizado” entre as principais forças partidárias representadas na autarquia. Carlos Carreiras confia que uma eventual mudança política na autarquia dominada há mais de duas décadas pelo PSD, ainda que considere improvável, não vai mudar isso.