Um homem que foi detido pela polícia francesa, na passada quarta-feira, 20 de Agosto, no âmbito da investigação à descoberta de quatro corpos encontrados no rio Sena, perto de Paris, foi neste domingo formalmente acusado de múltiplo homicídio.

O presumível autor dos crimes em série, que será um cidadão tunisino, descrito pela imprensa francesa como um indivíduo marginalizado e em situação de sem-abrigo, pernoitava perto do local onde os cadáveres foram localizados, numa área também conhecida como um ponto de encontro entre homens homossexuais, e a procuradoria de Créteil, arredores de Paris, diz ter reunido um conjunto extenso de provas que implicam o suspeito no desaparecimento das quatro vítimas.

Segundo o jornal Le Monde, que cita fontes ligadas à investigação, uma das teses exploradas no inquérito em curso admite que os crimes terão sido motivados por homofobia e por sentimentos de culpa relativos à sua própria orientação sexual, num quadro de possível radicalização religiosa. A teoria, no entanto, não é referida no comunicado da procuradoria, que também não menciona qualquer circunstância agravante que constitua um crime de ódio.

A acusação foi formalizada no limite do prazo de 96 horas que a lei francesa impõe à prisão preventiva, período durante o qual o suspeito não se mostrou cooperante com os investigadores, negando a autoria dos crimes e remetendo-se ao silêncio quando confrontado com as provas recolhidas, escreve o Le Monde. Os interrogatórios decorreram com o auxílio de um intérprete, dada a alegada dificuldade do indivíduo em compreender e expressar-se em língua francesa.

O homem, que inicialmente disse ser um cidadão argelino de 24 anos, Ahmed, em situação irregular em França, será afinal Monji H., um indivíduo de nacionalidade tunisina. A sua identidade é presumida a partir de documentos encontrados no local em que pernoitava, e de declarações de uma pessoa próxima que foi interrogada pelas autoridades, mas não foi ainda oficialmente confirmada.

ADN, fotos e objectos roubados

Os cadáveres foram encontrados a 13 de Agosto, a pouca distância uns dos outros, na zona de Choisy-le-Roi. As autoridades foram alertadas por um passageiro do comboio suburbano RER que, a partir do interior da carruagem, viu um corpo a boiar no Sena. O avançado estado de decomposição dos quatro corpos, sugerindo que se encontravam no rio há vários dias, dificultou inicialmente a identificação das vítimas. Estabeleceu-se posteriormente que seriam todas do sexo masculino: dois cidadãos argelinos, um tunisino e um francês. Um dos argelinos, de 21 anos, tinha sido dado como desaparecido por familiares uma semana antes de o seu corpo ser encontrado.

Duas das vítimas seriam pessoas em situação de sem-abrigo que não eram vistas desde finais de Julho e que seriam conhecidas do presumível homicida, que não teria ligação prévia às restantes.

As autópsias permitiram situar os crimes numa janela temporal de 16 dias, entre 26 de Julho e 11 de Agosto. As perícias subsequentes permitiram estabelecer outros dados relevantes. Vestígios de ADN da última vítima a ser assassinada, um homem francês de 48 anos residente em Créteil, que teria frequentado o referido local de encontros na noite do seu desaparecimento, foram encontrados na roupa do suspeito. O corpo da vítima exibia ainda sinais de estrangulamento comuns a dois outros cadáveres.

Outras provas vinculam o suspeito às vítimas, nomeadamente ao argelino de 21 anos e a um tunisino de 26. O presumível homicida tinha já sido detido anteriormente, a 5 de Agosto, por suspeita de crime de receptação, por ter em sua posse diversos bens alheios, como cartões bancários, documentos de identificação, telemóveis e cartões SIM. Sabe-se agora que dois dos telemóveis pertenciam às vítimas e, num dos aparelhos, foram encontradas fotografias de uma desta com o suspeito.

As declarações de outro indivíduo que chegou a ser detido para interrogatório, e que foi libertado no sábado, não sendo objecto de qualquer acusação formal, dão base à tese auxiliar, referida pelo Le Monde, de que um eventual sentimento de culpa e remorso do suspeito em relação à própria orientação sexual, por motivos religiosos, poderá ter motivado os crimes. O referido indivíduo terá contado às autoridades que o suspeito teria demonstrado recentemente uma devoção atípica ao islão, criticando os seus amigos por não rezarem o suficiente. No entanto, as circunstâncias do quádruplo homicídio do rio Sena permanecem formalmente por esclarecer.