Mais de 10% da população residente em Portugal, um universo superior a um milhão de pessoas, terá feito pelo menos uma aposta online no último trimestre de 2024. E a maioria destes jogadores são apostadores frequentes — 63% jogam pelo menos uma vez por semana. Apesar das apostas desportivas, com destaque para o futebol, dominarem as preferências dos jogadores portugueses, há um equilíbrio relativo de géneros entre jogadores. Há mais homens a jogar, mas a diferença para as mulheres é menos significativa do que noutras categorias —  58,2% para 41,8%.

Estes são algumas das conclusões do estudo a Anatomia do Apostador Português, realizado pela Aposta Legal, plataforma que gere e divulga informação sobre o jogo online, que cruzou dados públicos sobre a atividade e o resultado de um inquérito feito por uma empresa de estudos de mercado a 750 apostadores entre os 18 e os 79 anos.

Com uma idade média de 43 anos, o jogador típico será mais homem (50,7% contra 49,3% de mulheres), começou a jogar online com a pandemia (51,2%) e faz apostas médias de 55 euros, valores que são mais elevados nos jovens.

Os resultados mostram ainda que mais de metade — 53,6% — dos jogadores online também jogam offline (lotarias e raspadinhas). A esmagadora maioria — mais de 90% — tem o ensino secundário ou superior e mais de dois terços — 71,7% trabalha por conta de outrem. O estudo revela ainda que uma grande maioria destes jogadores, 72,8%, já sentiram ter sofrido perdas em excesso ou ansiedade por causa das perdas.

Segundo a mesma fonte, foi em 2020 — ano da pandemia — que se registou o maior crescimento no número de apostadores online, na ordem dos 18%. Antes de 2016, já 25% dos apostadores estava online, mas o universo de jogadores cresceu cerca de 50% após 2020. Os dados indicam ainda que as mulheres foram grandes protagonistas neste crescimento, na medida em 70% das mulheres começou a jogar online a partir daquela data. Os homens chegaram primeiro, antes de 2020 já 58% apostavam online.

Já o jogo em canal físico é dominado por pessoas com mais de 50 anos, com uma idade média de 51 anos. E é mais expressivo a prevalência de homens, que são 69% contra 30,9% de mulheres.

A diferença entre homens e mulheres também é marcada na frequência com que apostam. Quase 69% dos homens jogam pelo menos uma vez por semana, percentagem que baixa para 57% nas mulheres. O fator género tem igualmente influência na dimensão dos gastos. Mais de 80% das mulheres gastam até 100 euros por mês, face a 72,9% dos homens. E apenas 18,9% das mulheres apostam mais de 100 euros por mês, enquanto 27% dos homens ultrapassam essa fasquia.

O estudo analisou também os gastos médios por idade, concluindo que os jovens gastam mais mensalmente, com destaque para o grupo ente os 18 e os 29 anos, no qual 31% gastam mais de 100 euros por mês. Na faixa etária a seguir — entre os 30 e os 39 anos — quase 30% gastam mais de 100 euros.

Sem surpresa, os resultados do inquérito indicam que 38,7% dos que gastam mais de 100 euros por mês estão na classe mais alta. No entanto, a classe baixa é mais representada, com 43,4% da amostra, um resultado que está alinhado com o estudo encomendando pelo Conselho Económico e Social sobre a raspadinha (lotaria instantânea). A definição das classes foi feita a partir do cruzamento de três critérios — rendimento, situação profissional e nível de escolaridade.

Maioria dos jogadores de raspadinha tem rendimentos abaixo de 1000 euros. “São os pobres a financiar os mais pobres”

O valor médio por aposta é de 55 euros. O estudo considera que face ao elevado número de apostadores que têm gastos mensais mais baixos, isso aponta para que quando apostam, optam por valores elevados por jogada, um “comportamento típico de perfis mais compulsivos ou estratégicos”.

A generalidade dos apostadores diz já ter ganhado dinheiro — apenas 6% admitem nunca ter tido retorno. E 36% afirmam ter ganhado mais de 10 vezes, uma percentagem que sobe para 43,3% nos jogadores online. Mas também são apresentados dados sobre o outro lado do jogo. O inquérito indica que três em quatro jogadores (72,8%) já sentiram pelo menos uma experiência associada a risco ou desconforto ao jogar online. E quase 19% já se autoexcluíram de uma ou mais casas de apostas. Os mais jovens — entre os 18 e os 29 anos — são os jogadores mais vulneráveis aos efeitos negativos do jogo, nomeadamente stress e dívidas.

A reação de risco mais assinalada é perder mais dinheiro do que queria, seguido da sensação de ansiedade que acompanha a atividade de jogar, mais sentida pelas mulheres. Igualmente relevante é o esconder que joga da família e amigos, que foi referido por 20% dos entrevistados.

O pedir dinheiro emprestado e ficar com dívidas para poder jogar é apontado por 80% como o maior sinal de risco para os jogadores, que valorizam igualmente o perder sem limite de gastos e o tentar recuperar perdas com mais apostas. Há ainda uma fatia significativa de jogadores — 44% — que sinalizam usar as apostas como uma válvula de escape que ajuda a fugir aos problemas.

Quanto ao tipo de jogo, as apostas desportivas online são preferidas por quem joga apenas neste canal, mas também pelos que usam as duas modalidades (internet e física). Se considerarmos a totalidade dos jogadores, a lotaria (que inclui a raspadinha), Euromilhões e Totoloto — jogos explorados pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa — têm um peso esmagador no jogo praticado.

O estudo conclui que para a maioria dos jogadores, a experiência é híbrida (online e offline) e que quem joga apenas online ou nos dois canais tende a apostar nos casinos como complemento às apostas desportivas.

O futebol é desporto o mais procurados pelos apostadores online, seguido dos produtos da Santa Casa (raspadinha, lotaria e Euromilhões). Em terceiro e quarto lugar surgem os jogos de fortuna ou azar (slots, máquinas e a mais tradicional roleta). Há ainda uma procura relevante de apostas em basquetebol e ténis.

Para estes resultados, os autores do estudo da Aposta Legal — Ana Gomes de Almeida, Ricardo Gugel e Duarte Carreira — cruzaram dados de outras fontes, nomeadamente do SRIJ (Serviço de Regulação e Inspeção e Jogos), mas também do INE, Pordata e da Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre a pobreza.

Um dos autores do estudo, Ricardo Gugel, explicou ao Observador que o objetivo da Aposta Legal é divulgar dados sobre a evolução do jogo e apostas em Portugal. A plataforma dedica-se à promoção e informação sobre o jogo online legal, desenvolvendo guias e conteúdos sobre o jogo seguro, tendo entre os seus clientes algumas das principais casas de apostas. Uma das informações prestadas neste trabalho é a de que mais de dois terços das marcas de jogo online referidas no inquérito têm licença para operar em Portugal. A Betclic e a Betano são duas marcas mais referidas, seguidas pela Santa Casa, Placard Online (que também é da Santa Casa) e Solverde.

Os motivos mais referidos para escolher as casas de apostas são a facilidade de pagamentos, que supera por exemplo os bónus oferecidos, o que leva os autores do estudo a considerar que a experiência operacional com a plataforma pode ter mais peso na preferência do jogador do que o jogo ou o prémio.

Segundo o boletim do último trimestre de 2024 do SRIJ referido, a receita bruta das atividades de exploração de jogos e apostas online em Portugal atingiu 323 milhões de euros, um disparo de 42% face ao mesmo período de 2023. Os dados da receita trimestral estavam a crescer desde o último trimestre de 2022, tendo dado um salto nos últimos quatro meses do ano passado. Os dados provisórios do primeiro trimestre deste ano revelam já um recuo nas receitas para 244,7 milhões de euros.

Considerando o ano de 2024, e ainda com dados provisórios, a atividade do jogo online mobilizou em receitas brutas 1.112 milhões de euros. É um crescimento de 31,5% face a 2023. Mais de metade desta receita resulta dos jogos de fortuna e azar, com o volume de negócios das apostas desportivas à cota a perder peso.