A recuperação da anestesia geral é um processo complexo que envolve a reversão dos efeitos dos agentes anestésicos e o retorno à consciência plena. A cafeína, um estimulante do sistema nervoso central amplamente consumido, tem sido estudada como uma possível opção para acelerar esse processo, principalmente em situações em que o despertar precoce é fundamental para um bom desfecho pós-operatório.
Estudos randomizados observacionais estrangeiros, sugerem que a administração de cafeína pode reduzir estatisticamente o tempo de recuperação da anestesia geral, além de melhorar a analgesia pós-operatória. No entanto, a aplicação como prática clínica rotineira ainda é um campo limitado e precisa de maiores investigações e seu uso é apenas liberado de forma off-label para esse fim.
Mecanismo de ação
A cafeína exerce seus efeitos principalmente por meio do antagonismo dos receptores de adenosina, particularmente os subtipos A1 e A2A, localizados no sistema nervoso central. A adenosina, ao se ligar a esses receptores, promove um efeito sedativo, com relaxamento e sono. Ao bloquear esses receptores, a cafeína aumenta a liberação de neurotransmissores excitatórios, como dopamina e noradrenalina, resultando em maior alerta e vigília e consequentemente melhorando e acelerando o despertar anestésico.
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Estudos clínicos
Um estudo observacional retrospectivo, realizado no período de maio de 2018 a dezembro de 2020 com a administração informal de cafeína no período pós-operatório com o intuito de acelerar a recuperação anestésica foi realizado em pacientes adultos admitidos na sala de recuperação pós-anestésica após procedimentos diversos realizados sob anestesia geral e com evidências de resquícios de sedação venosa. O grau de sedação foi avaliado pela escala de Richmond Agitation-Sedation Scale (RASS) e os pacientes foram categorizados de acordo com a dose de citrato de cafeína administrada, de 0 a 250 mg.
De todos os 1.892 pacientes observados, foi administrado citrato de cafeína na dose máxima de 250 mg e foi evidenciado uma melhora estatisticamente significativa no padrão de sedação desses pacientes no momento da alta da sala de RPA.
Outro estudo realizado com 18 crianças submetidas a cirurgia de hernioplastia sob anestesia geral, divididas em dois grupos, onde foi administrada randomicamente citrato de cafeína por via venosa na dose de 10 mg/Kg e solução salina. Foi evidenciado uma pequena diferença no tempo de retirada de máscara laríngea entre os dois grupos, sendo mais rápida no grupo que recebeu cafeína comparado ao placebo, e não houve evidências de efeitos colaterais principalmente em relação a alterações hemodinâmicas.
Uma outra análise retrospectiva realizada pela Mayo Clinic Rochester Practice no período de 2012 e 2014, com 151 pacientes com sedação excessiva na sala de recuperação pós-anestésica (RPA) indicou que a administração intravenosa de citrato de cafeína, em uma dose média de 150 mg, resultou em uma diminuição significativa de sedação, com aumento do RASS score, porém, sem eventos adversos respiratórios associados. Este estudo sugere que a cafeína pode ser eficaz na reversão da sedação pós-anestésica em pacientes adultos.
Considerações sobre a administração da cafeína na recuperação da anestesia geral
A administração de citrato de cafeína deve ser cuidadosamente considerada, levando em conta a dose, a via de administração e as características individuais do paciente. Doses elevadas podem levar a efeitos adversos, como arritmias cardíacas e aumento da pressão arterial. Portanto, é essencial que a administração de cafeína venosa seja realizada sob supervisão médica adequada, com monitoramento contínuo dos sinais vitais do paciente, como pressão arterial, frequência cardíaca e saturação de oxigênio. Também deve-se levar em consideração a avaliação da consciência antes e após a administração, usando a escala de Glasgow ou escala de sedação específica e observando sinais de efeitos adversos como taquicardia, arritmias, tremores ou ansiedade.
O citrato de cafeína deve ser indicado preferencialmente para pacientes adultos submetidos a anestesia geral com sedação prolongada ou atraso no despertar na sala de recuperação pós-anestésica.
No Brasil, a administração de citrato de cafeína venosa somente está liberada para casos de apneia da prematuridade, não havendo estudos em pacientes brasileiros em relação ao despertar anestésico. E seu uso fora do Brasil está apenas liberado de forma off-label sob supervisão restrita de profissionais anestesistas.
Conclusão
A cafeína apresenta um potencial promissor como agente para acelerar a recuperação da anestesia geral, com base em evidências experimentais e clínicas. No entanto, mais estudos clínicos controlados são necessários para estabelecer protocolos seguros e eficazes para sua utilização nesse contexto. A implementação da cafeína como prática padrão na recuperação pós-anestésica deve ser precedida por investigações adicionais que avaliem sua eficácia, segurança e aplicabilidade em diferentes populações de pacientes.