A criação da subespecialidade de Uroginecologia marca um passo decisivo na evolução da Ginecologia em Portugal. Quem o diz é Bercina Candoso, atual presidente da Secção de Uroginecologia da Sociedade Portuguesa de Ginecologia, que defende o seguinte: com o reconhecimento formal desta área, dá-se resposta a uma necessidade antiga, oferecendo às mulheres uma abordagem estruturada e multidisciplinar aos problemas do pavimento pélvico. Leia o artigo de opinião.

A subespecialidade de Uroginecologia foi criada para responder à necessidade de cuidados mais especializados no diagnóstico e tratamento das disfunções do pavimento pélvico feminino, tais como prolapsos e incontinência urinária, problemas cada vez mais prevalentes devido ao envelhecimento da população. Como tal, sinto a responsabilidade de explicar as razões, o impacto esperado e os próximos passos.

“Faltava uma resposta integrada às doenças do pavimento pélvico”

A Ginecologia sempre respondeu a muitos aspectos da saúde da mulher, mas havia um domínio pouco valorizado: a saúde do pavimento pélvico. Patologias como a incontinência urinária, os prolapsos genitais ou algumas disfunções sexuais são extremamente frequentes e têm impacto direto na qualidade de vida. No entanto, até agora não existia um percurso formativo ou clínico estruturado que garantisse cuidados uniformes e diferenciados.

Na prática, as doentes muitas vezes circulavam entre várias especialidades — Ginecologia, Urologia, Fisiatria — sem uma visão integrada. A criação da subespecialidade vem precisamente colmatar essa lacuna, trazendo diferenciação técnica e científica e oferecendo uma abordagem verdadeiramente multidisciplinar.

“Foi um processo conjunto, com sociedades científicas, universidades e associações de doentes”

Este processo só foi possível graças à colaboração de múltiplos parceiros. Tivemos a colaboração  activa da Sociedades Portuguesa de Ginecologia, o envolvimento do Colégio da Especialidade da Ordem dos Médicos, com a Secção Portuguesa de Uroginecologia.

Também foi essencial ouvir as doentes, que nos transmitiram de forma muito clara as dificuldades vividas no dia a dia. Por fim, houve uma aproximação a entidades internacionais, como a European Urogynaecological Association, que nos ajudaram a alinhar os critérios de formação e de prática clínica com os padrões europeus.

“O impacto será maior rapidez no diagnóstico, tratamentos mais eficazes e melhores resultados cirúrgicos”

O impacto desta subespecialidade será profundo. Em primeiro lugar, permitirá diagnósticos mais rápidos e precisos, evitando anos de sofrimento e encaminhamentos sucessivos. Em segundo lugar, possibilitará tratamentos personalizados, que combinam cirurgia, terapêuticas conservadoras e reabilitação, sempre com foco na qualidade de vida da mulher.

Do ponto de vista hospitalar, haverá maior concentração de experiência em centros especializados, o que aumenta a segurança dos procedimentos e melhora os resultados funcionais. A nova subespecialidade será também um motor de investigação, incentivando o desenvolvimento de técnicas cirúrgicas minimamente invasivas e novas abordagens terapêuticas.

“Queremos organizar uma rede: centros de referência e hospitais secundários a trabalhar em articulação”

A nossa visão é de uma rede organizada e hierarquizada. Nos hospitais centrais e universitários deverão surgir unidades especializadas de Uroginecologia, capazes de tratar os casos mais complexos e de funcionar como polos de formação e investigação. Estes centros trabalharão em estreita colaboração com hospitais secundários, que poderão acompanhar casos menos complexos, e com os Cuidados de Saúde Primários, que terão um papel crucial no rastreio e referenciação.

Outro aspeto essencial será a interdisciplinaridade. A Uroginecologia exige a colaboração de ginecologistas, urologistas, fisiatras, fisioterapeutas especializados em pavimento pélvico, psicólogos e outros profissionais. Só assim se conseguirá responder de forma completa a patologias multifatoriais.

“Os próximos passos passam pela formação e pela comunicação”

Os próximos passos são claros. Na área da formação, vamos lançar programas de fellowship em Uroginecologia, bem como cursos acreditados dirigidos a ginecologistas. Paralelamente, vamos apostar na sensibilização dos médicos de família, pois são muitas vezes o primeiro contacto das doentes e têm um papel determinante na referenciação precoce e adequada a esta subespecialidade

No campo da comunicação, queremos atuar em duas frentes. Por um lado, junto da comunidade médica, através de congressos, webinars e publicações científicas, para uniformizar práticas e divulgar conhecimento. Por outro lado, junto da população em geral, com campanhas de sensibilização que ajudem a quebrar tabus, sobretudo em torno da incontinência urinária e do prolapso genital. Só assim conseguiremos que mais mulheres procurem ajuda de forma atempada.

Conclusão

A criação da subespecialidade de Uroginecologia é mais do que uma conquista médica: é um compromisso com a saúde e dignidade das mulheres. Ao reconhecer a especificidade das doenças do pavimento pélvico e ao oferecer uma resposta estruturada, diferenciada e multidisciplinar, abre-se uma nova etapa na prática clínica, na formação médica e na investigação.

Imagem: Atlas da Saúde