Existem geralmente duas formas de estudar como as pessoas vivem em socialismo: lendo os clássicos que o descreveram, da não-ficção de um Solzhenitsyn à ficção de uma Ayn Rand, ou visitando países como Venezuela ou Cuba. Nesta crónica presto-me a inaugurar uma terceira: observando um buffet à discrição para centenas de pessoas, qual David Attenborough no BBC Vida Selvagem.
O comportamento das pessoas perante um buffet à discrição é uma verdadeira experiência sociológica, que nos ajuda a perceber porque é que o socialismo não funciona. Este comportamento é verdadeiramente universal: atravessa culturas e etnias diferentes, religiões conflituantes e nacionalidades beligerantes. No fundo, toda a humanidade junta no mesmo propósito de açambarcar comida em volumes apreciáveis para o seu prato.
Este comportamento não depende de fatores culturais ou societais porque é uma característica intrinsecamente humana, ou seja, é natural, é biológico, está-nos nos genes – conceito que os socialistas, e todos os sortidos de esquerda, sempre tiveram algum rebuço em reconhecer. É da natureza humana reagir a incentivos e decidir em função disso, e não há maior incentivo do que coisas grátis, especialmente se envolver uma pirâmide de camarões e sobremesas que nem sabiam existir, mas que, em caso de dúvida, convém servir em triplicado.
Um buffet à discrição tem várias coisas similares ao socialismo: em primeiro lugar, tudo é ‘gratuito’; segundo, não existem preços a atrapalhar. Pelo menos em teoria, não há luta de classes entre as massas – há luta pelas massas. É a máxima de Marx ‘a cada um de acordo com as suas necessidades’ aplicada às duas vitrines dos gelados.
Ora, acontece que as necessidades de algo gratuito são ilimitadas, pelo que o principal efeito, empiricamente observável em mesa alheia, são pratos e pratos a abarrotar de comida, metade da qual não será consumida. O leitor atento poderá argumentar que a analogia falha: o buffet representa a abundância, o socialismo a escassez. Contudo, a abundância inicial do buffet é precisamente o que nos permite observar, em câmara lenta, o processo que gera essa mesma escassez: não havendo freios à procura, sendo tudo gratuito, toda a gente consome de forma desmesurada e açambarca o que pode, também por receio que outros o façam primeiro e lhes levem o quinhão. A cada um de acordo com os seus olhos, mais do que barriga.
O outro motivo pelo qual se gera escassez em economias socialistas é a inexistência de preços. Os preços, para lá de moderarem este comportamento desbragado e introduzirem racionalidade na decisão de consumir ou não, permitem que milhares de pessoas que nunca se conheceram, que porventura nem sequer partilham nada em comum, se consigam coordenar e prover os consumidores. Preço alto significa escassez, mas também significa oportunidade de lucro, pelo que incentiva mais gente a tentar providenciar aquele bem ou serviço.
Num buffet não há preços. O pão e a lagosta ‘custam’ o mesmo para o consumidor.
Efeito? Uma corrida desenfreada à lagosta. Quem chega primeiro leva tudo ou quase tudo. E é geralmente aqui que o próprio hotel tem de introduzir mecanismos de racionamento, embora em moldes diferentes dos socialistas. Em Cuba, cada pessoa recebe cerca de 3 quilos de arroz por mês. Carne, raramente. E quando recebe são uns derivados ultraprocessados que fazem as salsichas parecer bife do lombo. Já no buffet, o racionamento capitalista neste simulacro de socialismo é bem mais generoso: dois lavagantes por pessoa.
No buffet também só há uma aparente igualdade. Ao início, bandejas cheias. No entanto, os primeiros a chegar ganham vantagem. Os que conhecem os empregados do hotel também. E houvesse tempo suficiente, seria instituído um pequeno mercado negro, em que uma pequena gorjeta daria lugar a um prato reservado que não circula no banquete dos comuns – tal como acontece nos regimes socialistas.
É por tudo isto que os socialistas falam da necessidade de se criar o Homem novo, porque o Homem, como ele é, não serve. Na ideologia cartesiana, puramente racionalizada do socialismo, se o ser humano não encaixa na teoria não se muda a teoria, muda-se o ser humano. E é nesse momento que a analogia adequada deixa de ser buffet à discrição e passa a ser o Hunger Games.