O contributo do IRS para a carga fiscal nunca foi tão baixo, atingindo os 6,2%. Mas fiscalistas alertam para os riscos deste alívio: intensifica a dependência em relação ao IVA e ao IRC.

Na última década, o contributo do IRS para a carga fiscal nunca foi tão baixo, tendo atingido os 6,2% do produto interno bruto (PIB) no ano passado e prevendo-se que atinja os 5,7% este ano, cujo patamar se situava nos 7,7% há uma década. Ex-secretário de Estado alerta para riscos de trajetória aparentemente benigna.

Olhando apenas para 2024, a UTAO indica que “as medidas de política de alívio fiscal do IRS determinaram a evolução deste imposto, cujo peso na economia recuou 0,7 pp para 6,2% do PIB, constituindo o maior contributo individual para a variação do indicador da carga fiscal” nesse ano. Este ano, virá também do IRS o maior contributo para a descida da carga fiscal, em 0,5 pp para 5,7%.

O ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Carlos Lobo, alerta, porém, para os riscos deste alívio no imposto que recai sobre as famílias: intensifica a dependência do sistema fiscal em relação ao IVA e ao IRC. Isto porque, frisa, “não fizemos minimamente o trabalho essencial: a Reforma do Estado e a moderação da despesa pública”.

À primeira vista, poder-se-ia falar em alívio fiscal. Na realidade, frisa, “trata-se de um fenómeno conjuntural, impulsionado por medidas de resposta à pandemia e à inflação — como o ajustamento de taxas e escalões — e, simultaneamente, por uma evolução moderada dos salários em vários segmentos da economia nacional”.

Para o ex-governante esta trajetória, aparentemente benigna, oculta três riscos estruturais profundos: “reduz a elasticidade da receita ao ciclo económico, fragiliza o papel redistributivo do imposto pessoal e, sobretudo, intensifica a dependência do sistema fiscal em relação ao IVA e ao IRC”.

A Unidade Técnica detalha que na base da descida no ano passado estão as medidas de alívio fiscal tanto as previstas no OE2024 (da responsabilidade do governo de António Costa) como as aprovadas já no primeiro Governo de Montenegro. Aqui encontram-se medidas como a reforma do IRS (-1.675 milhões de euros), o IRS Jovem (-200 milhões) e o acerto anual das tabelas de retenção em outubro e novembro. O OE2025, estabeleceu também um conjunto de alterações para ampliar o alcance e a duração do IRS Jovem, tornando-o mais acessível e vantajoso para um maior número de jovens trabalhadores. Uma medida que tem um custo estimado de 525 milhões , a que se somam ainda 450 milhões da redução adicional do IRS.

Tendência inversa no IRC
O contributo do IRS para a descida da carga fiscal fica patente quando se observa que em 2014 se situava nos 7,7%, patamar que cairá para 5,7% em 2025. No IRC assiste-se à tendência inversa ao passar de 2,8% para 3,8% no mesmo período ainda que se perspetive para este ano uma ligeira redução face ao atual contributo de 3,9%.

Sobre a evolução da carga fiscal ao nível do IRC, Carlos Lobo aponta baterias. “Numa economia aberta e periférica, onde a base tributável das empresas é altamente sensível a choques externos e à pressão da concorrência fiscal global, esta evolução não resulta de uma estratégia virtuosa”. O ex-governante sinaliza aqui três fatores conjunturais: lucros excecionais decorrentes de uma queda abrupta por razões excecionais (crise financeira e Covid), menor uso dos regimes de reporte de prejuízos e compressão dos benefícios fiscais dedutíveis.
Os técnicos da UTAO avançam que, em 2024, o IRC “aumentou o peso em 0,4 p.p., para 3,9% do PIB a preços correntes”. No entanto, a entidade lembra que esta receita reflete os resultados fiscais das empresas no ano anterior, em que a atividade económica se expandiu 9,8%. Ou seja, há assim algum desfasamento face à economia.

Por seu turno, o IVA, como é habitual, mantém-se como o imposto com maior peso na economia, aumentando 0,2 p.p., para 9,2% do PIB, uma evolução explicada pela “expansão do consumo privado e o efeito de base da cessação do IVA Zero para um cabaz de produtos alimentares.”

Carga fiscal subiu mesmo com alívio do IRS
No ano passado, a carga fiscal subiu 0,1 pp face a 2023, para 35,7% do PIB. As diversas medidas de alívio do IRS implementadas ao longo do ano passado foram, pois, insuficientes para fazer baixar a carga fiscal, uma vez que o aumento de receita das restantes componentes foi muito superior, o que acabou por fazer subir o peso no PIB.

No documento que faz o acompanhamento da execução orçamental em contabilidade nacional, os técnicos da UTAO que dão apoio aos deputados no Parlamento concluem: “as medidas de alívio do IRS deram um contributo significativo para a redução do peso deste imposto na economia (– 0,7 pontos percentuais do PIB), mas não foram suficientes para compensar o impulso ascendente das restantes componentes”. A pesar no agravamento ligeiro de 0,1 pp na carga fiscal do ano passado, conta-se o IRC com um contributo de 0,4 pp do PIB; o IVA (+ 0,2 pp) e as contribuições sociais (+ 0,3 pp).

Para este ano, e de acordo com as previsões do Governo, a carga fiscal deverá recuar para 35,2%, uma redução de 0,5 pp face a 2024. Esta evolução que é explicada pelas medidas adicionais de desagravamento do IRS como o alargamento do IRS Jovem e a desaceleração do IVA. Já as contribuições sociais deverão registar um aumento superior ao da atividade económica, aumentando o peso em 0,1 pp do PIB.

A confirmarem-se as projeções, este ano o peso do IRS será ainda menor, fixando-se nos 5,7% do PIB e carga fiscal do IRC baixará ligeiramente (0,1 pp) para 3,8%.