Entre bombardeamentos e fome, o “inferno” de Gaza parece não poder piorar. Porém, a morte já não advém apenas dos ataques aéreos israelitas, infiltrando-se em tendas sobrelotadas, baldes de água contaminada e hospitais a rebentar pelas costuras, sob a forma de uma doença neurológica rara, chamada síndrome de Guillain-Barré (SGB), uma infeção viral ou bacteriana que faz com que o sistema imunitário ataque o próprio organismo, enfraquecendo os músculos e paralisando progressivamente diferentes partes do corpo.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), pelo menos 85 casos suspeitos de SGB foram relatados na Faixa de Gaza desde junho. Destes, três, duas crianças e uma idosa, morreram, segundo o Ministério da Saúde de Gaza.

A diarreia é o primeiro sintoma da infeção. Em poucos dias, a doença começa a dificultar o movimento das pernas e, posteriormente, bloqueia os músculos que ajudam o corpo a respirar, o que pode ser fatal. A propagação da paralisia também pode afetar a frequência cardíaca ou a fala.

Comida contaminada e água residual

A OMS reconhece que a causa da doença “não está totalmente esclarecida”, mas está ligada à contaminação dos alimentos ou ao consumo de água não tratada.

Obtenção de água é um desafio diário em Gaza
Foto: Omar Al-Qattaa / AFP

Em Gaza, as bombas israelitas destruíram as redes de água e saneamento desde o início da ofensiva, criando um ecossistema pouco saudável, onde a obtenção de água é um desafio diário, obrigando à utilização de águas residuais. Paralelamente, a destruição de edifícios residenciais palestinianos obrigou-os a viver em condições sobrelotadas e insalubres, aliadas a um cenário de fome extrema.

O primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu anunciou, a 1 de março, um bloqueio total de alimentos e de todos os mantimentos básicos que entram na Faixa de Gaza. A decisão, que viola o direito internacional humanitário, constitui uma punição coletiva para mais de dois milhões de civis desarmados. O cerco durou dois meses e meio. Desde meados de maio, Israel permite a entrada intermitente e gradual de alguns produtos alimentares e de mantimentos básicos. Porém, esse alívio do bloqueio não impediu o território de resvalar para a fome, declarada na semana passada pela ONU em partes da Faixa de Gaza. Nas últimas horas, pelo menos 10 pessoas morreram devido à desnutrição, incluindo duas crianças pequenas.

Duas crianças morreram de fome nas últimas horas em Gaza
Foto: Haitham Imad / EPA

Na maioria dos casos, esta condição permite uma recuperação subsequente, muitas vezes após um período de tratamento em unidades de cuidados intensivos (UCI), segundo o jornal espanhol “El País”. A doença não tem cura oficial e, apesar de existirem tratamentos eficazes, o principal não está disponível na Faixa de Gaza.

Hospitais sobrecarregados

O surto de SGB marca a proliferação de outra doença infeciosa nos 23 meses de conflito no enclave, depois de os hospitais de Gaza terem detetado surtos de poliomielite, cólera, hepatite A e sarna.

A doença está a aumentar a sobrecarga dos hospitais de Gaza, que já lidam com um fluxo maciço de mortos e feridos. Porém, quando a doença progride e há dificuldades em respirar, o doente necessita de entubação nasal. Segundo a OMS, 30% dos casos requerem tratamento intensivo e 5% dos afetados podem morrer de complicações decorrentes da doença, mesmo nas melhores condições médicas e infraestruturas, algo que não existe em Gaza. Os centros médicos não têm máquinas de ressonância magnética nem de condução nervosa e o tratamento com imunoglobulina, que pode salvar vidas, está quase totalmente indisponível.

Médicos exaustos com sobrecarga dos hospitais em Gaza
Foto: AFP

Os grupos mais vulneráveis ​​à doença são os bebés, as crianças com condições pré-existentes, os idosos e as pessoas com deficiência, afetados pela falta simultânea de alimentos, medicamentos, água potável e higiene, segundo um relatório especial recente da Amnistia Internacional.

Segundo os especialistas, a doença vai continuar a espalhar-se enquanto Israel continuar os ataques e bloqueios à entrada de ajuda humanitária em Gaza.