No dia 30 de agosto é celebrado o Dia Nacional de Conscientização da Esclerose Múltipla (EM), data instituída em 2006 e que marca o Agosto Laranja, mês voltado à difusão de informações sobre uma das doenças neurológicas mais incapacitantes entre jovens adultos. O Brasil tem cerca de 40 mil pacientes, mas a distribuição não é homogênea: o Rio Grande do Sul é o Estado com maior prevalência e Santa Maria, no centro do Estado, registra a maior taxa proporcional do País – 27 casos para cada 100 mil habitantes, contra uma média nacional de 15 a 18.
A esclerose múltipla é uma doença autoimune que afeta o sistema nervoso central. O próprio organismo passa a atacar a bainha de mielina, capa que protege os prolongamentos dos neurônios e garante a transmissão dos impulsos elétricos. O resultado são inflamações que deixam cicatrizes no cérebro e na medula, prejudicando a comunicação entre os neurônios. Os sintomas dependem da região atingida e podem incluir perda de visão, fraqueza, falta de coordenação motora e sensibilidade reduzida.
“O nome vem justamente das cicatrizes múltiplas que se formam. Antigamente, isso só era constatado em autópsias, ao se observar diferentes marcas espalhadas pelo sistema nervoso”, explica Douglas Sato, neurologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Ele destaca que a esclerose múltipla costuma se manifestar entre os 20 e os 40 anos, fase da vida em que a maior parte das pessoas está estudando, trabalhando e planejando família.
Diagnóstico ainda é um dos entraves da doença
O diagnóstico da doença ainda é um dos principais entraves. Não existe um exame específico que confirme ou descarte a doença. A investigação depende da combinação de sintomas com exames complementares, como ressonância magnética e análise do líquido cefalorraquidiano. “É um diagnóstico de exclusão, porque outras doenças autoimunes, infecciosas ou degenerativas podem simular os mesmos sinais. Isso exige acesso a centros especializados e exames complexos, o que ainda é um desafio no Brasil”, afirma Sato.
De acordo com a Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (Abem), o tempo médio para o diagnóstico é de dois a três anos. Após a confirmação, os pacientes ainda aguardam, em média, 120 dias para receber a medicação. “Embora o SUS forneça gratuitamente diversos tratamentos, cerca de 4 mil brasileiros com a forma primária progressiva da doença não estão contemplados nos protocolos atuais”, aponta Sumaya Afif, responsável pela área de Relações Governamentais e Advocacy da entidade.
Se o diagnóstico é difícil, os avanços terapêuticos mudaram a realidade de quem convive com a doença. Os primeiros medicamentos surgiram na década de 1990, aplicados de forma subcutânea. Hoje há mais de dez opções aprovadas no Brasil, algumas disponíveis na rede pública. “O tratamento precoce reduz surtos, evita progressão da incapacidade e permite uma vida próxima do normal. Antigamente, falava-se em até dez anos a menos de expectativa de vida. Hoje, ela é praticamente igual à da população em geral”, explica Sato.
Apesar disso, a dificuldade de acesso persiste. Além da demora no fornecimento de medicamentos, há escassez de serviços de neuroreabilitação, como fisioterapia, psicoterapia e suporte multidisciplinar. “Muitos jovens interrompem a carreira ou sequer ingressam no mercado de trabalho por causa das sequelas. Isso tem impacto social e econômico profundo”, afirma Sumaya.
RIo Grande do Sul lidera os índices nacionais
A esclerose múltipla é mais comum em populações de origem europeia e em regiões de clima frio. Por isso, a prevalência no Sul do Brasil é maior do que no Norte e no Nordeste. Segundo dados do Ministério da Saúde, a região Sul registra 27,2 casos por 100 mil habitantes, contra 1,3 no Nordeste. O Rio Grande do Sul lidera os índices nacionais, e Santa Maria se tornou referência por apresentar a maior taxa proporcional do País.
Para a Abem, isso exige atenção diferenciada na formulação de políticas públicas. “É essencial ampliar os centros de referência, agilizar os diagnósticos e garantir acesso igualitário aos medicamentos”, resume Sumaya.
No mês do Agosto Laranja, a campanha busca reduzir estigmas e esclarecer que a esclerose múltipla não é uma doença ligada ao envelhecimento – como ainda se confunde no senso comum —, mas sim uma condição que afeta principalmente mulheres jovens, em proporção de três para um em relação aos homens.
“Desmielinizante. Nunca havia escutado essa palavra até ler em um laudo de uma ressonância magnética. Em uma rápida busca, descobri que se tratava de um termo que descreve o processo de degeneração da bainha de mielina.
Em alguns cliques, cheguei à Esclerose Múltipla. Foi assim que, há pouco mais de um ano, tive o primeiro contato com o que, hoje, é um norte na minha rotina.
Estima-se que, no Brasil, 40 mil pessoas convivam com Esclerose Múltipla. A doença, que afeta o sistema nervoso central, pode causar inúmeros sintomas, o que, muitas vezes, é um desafio na hora do diagnóstico. Há quem leve anos e passe por muitos médicos até chegar em um diagnóstico final, pois os sintomas – como fadiga, visão turva, formigamento no corpo, fraqueza ou rigidez muscular, entre outros – são facilmente confundidos com questões do dia a dia.
O meu caso fugiu à regra. Entre as primeiras pesquisas pelo celular e a internação foram poucos dias. No fim de maio de 2024, comecei a sentir minha visão embaçada e até duplicada em alguns momentos. Como passávamos aqui no Rio Grande do Sul por um dos períodos mais difíceis da nossa história, logo pensei que se tratava de estresse.
Com o passar dos dias – e com a permanência dessas dificuldades -, resolvi procurar a minha oftalmologista, julgando que talvez precisasse de um ajuste nas lentes dos meus óculos. Os testes no consultório foram excelentes, e os meus óculos continuavam com o grau correto. A médica me orientou a procurar outro especialista: um neuro oftalmologista, conduta fundamental para o diagnóstico rápido. O segundo médico, então, solicitou uma ressonância magnética. Foi assim que me deparei, pela primeira vez, com a palavra desmielinizante.
O próximo passo foi consultar um neurologista: bateria de exames de sangue, punção lombar, testes de marcha e de reflexos e um extenso questionário. Assim, logo fui internada para tratar aquele surto – como são chamados os episódios de novos sintomas ou agravamento dos já existentes que podem ou não deixar sequelas.
Não sabia muito sobre a doença, e o pouco repertório que tinha era cheio de preconceitos e estigmas. Quando comecei a aprender um pouco mais, temi pela falta de conhecimento dos outros, e os desafios que encararia a partir disso. Em todos os cenários, a certeza é que a minha vida acabava de ganhar um novo norte.
O último ano, então, foi marcado pela compreensão do diagnóstico. Ao lado da minha família e amigos, aprendi mais sobre a doença e sobre os múltiplos caminhos dela. Há muitos desafios em conviver com uma doença crônica. Exames, consultas e medicações passam a fazer parte da rotina. O tratamento, muitas vezes, pode ser exaustivo. A atenção vigilante aos sinais do corpo ganha novas dimensões. Não é fácil, e é preciso destacar que há, ainda, muitos recortes quanto ao acesso a tratamentos e a terapias complementares, como consultas com fisioterapeutas, psicólogos, fonoaudiólogos – parte da rotina de um paciente.
Mas há, sim, vida após o diagnóstico de Esclerose Múltipla. Uma nova vida. Com diferentes rotinas e preocupações, sigo em busca de conscientizar as pessoas do meu entorno sobre uma doença que ainda é tão estigmatizada. Compartilhar minha jornada e o que aprendi neste um ano não é só uma forma de alertar sobre a importância de estarmos atentos a nossa saúde, mas também um desejo de espalhar informação. Doenças crônicas e raras existem, e as dificuldades nem sempre são visíveis. Por isso, respeito, acolhimento e informação são os melhores caminhos para trilhar no Dia Nacional de Conscientização sobre a Esclerose Múltipla.”
Isadora Jacoby – Jornalista, editora do caderno GeraçãoE, do Jornal do Comércio