Linard Lyons ouviu dos médicos que ia ter “50% de hipóteses de sair vivo do hospital”. Tudo por causa de um pequeno arranhão na perna que quase lhe custou a vida
A sudoeste de Nova Orleães, numa tranquila vila piscatória numa ribeira da Louisiana, Linard Lyons passou a manhã no seu barco a preparar armadilhas para caranguejos para os seus netos, tal como já havia feito milhares de vezes.
Desta vez, reparou num pequeno arranhão na perna – um arranhão que quase lhe custou a vida.
Lyons continuou com o seu dia mas acordou na manhã seguinte sentindo-se “em delírio”. Com febre e vómitos, inicialmente pensou que tinha apenas contraído uma infeção intestinal, mas depois descobriu uma série de feridas escuras a espalhar-se pela sua perna esquerda.
Numa decisão que acabou por lhe salvar a sua vida, dirigiu-se de imediato ao seu médico de família.
O médico soube logo “exatamente o que era” e enviou-o diretamente para a sala de emergência. Em “cerca de uma hora”, Lyons estava na sala de operações do hospital.
Aquele pequeno arranhão na perna de Lyons tornou-se a porta de entrada para a Vibrio vulnificus, também conhecida como bactéria devoradora de carne. Aquelas feridas escuras na sua perna eram fascite necrosante, que “afeta o tecido sob a pele”, de acordo com a Cleveland Clinic.
Essas bactérias potencialmente mortais são encontradas naturalmente e prosperam em águas costeiras durante os meses mais quentes, especialmente em águas salobras, onde a água doce encontra o mar, segundo o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA. Antes confinados principalmente à costa do Golfo, os casos aumentaram ao longo da costa leste, com um aumento de 800% entre 1988 e 2018, de acordo com o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças.
Micrografia electrónica da bactéria Vibrio Vulnificus foto BSIP/Universal Images Group/Getty Images
50% de hipóteses de sobrevivência
“Tenho permissão para fazer o que for necessário para salvar a sua vida?”, perguntou o médico a Lyons.
Essas foram as últimas palavras que Lyons se lembra de ter ouvido antes da cirurgia. Percebeu logo a gravidade da situação e entendeu que provavelmente a sua perna podia ter de ser amputada.
“Naquele momento, deram-me 50% de hipóteses de sair vivo do hospital.”
Os cirurgiões conseguiram remover a infeção e salvar a perna de Lyons. Após três dias na unidade de cuidados intensivos, três semanas no hospital e vários antibióticos, ficou “livre da bactéria”.
Já se passaram mais de três meses desde que Lyons contraiu a bactéria devoradora de carne, mas ainda está longe de estar recuperado.
Os últimos meses não têm sido fáceis para Lyons, que tem diabetes e descreve este processo de recuperação como uma “miséria”. No entanto, continua esperançoso de que um enxerto de pele venha a ser o passo final para que a sua perna volte ao “normal”.
Linard Lyons fez um arranhão na perna que lhe quase lhe custou a vida. Três meses depois, ainda não está recuperado foto cortesia Linard Lyons
A bactéria Vibrio vulnificus geralmente não representa um risco fatal para a generalidade das pessoas, explica à CNN Daniel Edney, diretor de saúde do estado do Mississippi. O médico explica que as pessoas com o sistema imunitário mais fraco têm um risco maior de contrair uma infecção.
Por isso, se planeia ir para águas costeiras, deve pressupor desde logo que estão contaminadas com Vibrio e evitar a água se tiver “cortes ou feridas que possam ser potencialmente infectadas”, recomenda Edney.
No entanto, a infecção por Vibrio não ocorre apenas através do contacto entre feridas e água. Também pode resultar do consumo de certos alimentos.
A letra minúscula no menu
“O CONSUMO DE CARNE, AVES, FRUTOS DO MAR, MARISCOS OU OVOS CRUS OU MAL COZIDOS PODE AUMENTAR O RISCO DE DOENÇAS TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS, ESPECIALMENTE SE TIVER CERTAS CONDIÇÕES MÉDICAS”
Este aviso, frequentemente encontrado em letras pequenas na parte inferior dos menus dos restaurantes pode parecer familiar. No Louisiana, este aviso específico deve estar “claramente visível” em todos os estabelecimentos que vendem ou servem ostras cruas – com poucas exceções –, de acordo com o Departamento de Saúde do Louisiana.
A bactéria também pode ser contraída ao comer marisco cru ou mal cozido. Na maioria das vezes é uma infecção menos grave causada por um tipo diferente de bactéria, que causa apenas desconforto no estômago, mas ocasionalmente pode chegar à corrente sanguínea, de acordo com o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças.
As ostras obtêm o seu alimento filtrando a água do mar. Quando essa água está repleta de bactérias, uma única ostra pode conter até um milhão de células de Vibrio vulnificus, indica Jim Oliver, professor da Universidade da Carolina do Norte em Charlotte.
Um balde com caranguejos recolhidos por Linard Lyons foto cortesia Linard Lyons
O risco mais amplo
Embora seja raro, “muitas pessoas com infecção por Vibrio vulnificus podem ficar gravemente doentes e precisar de cuidados intensivos ou amputação de membros”, refere o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças. “Cerca de uma em cada cinco pessoas com essa infecção morre, às vezes dentro de um ou dois dias após adoecer.”
O Louisiana foi um dos primeiros estados a chamar a atenção para esta infeção, após um aumento repentino no número de casos.
No final de julho, as autoridades registaram 17 hospitalizações e quatro mortes entre os residentes do Louisiana, mais do dobro do que o normal. Pelo menos mais três casos foram relatados em agosto.
Este vírus potencialmente mortal não é exclusivo dos estados do Golfo e está a ser encontrado mais a norte, à medida que a temperatura da água aumenta.
O Departamento de Saúde Pública de Massachusetts identificou um caso “extremamente raro” de Vibrio vulnificus num residente exposto às águas costeiras perto de Martha’s Vineyard. Até ao momento, Massachusetts confirmou 71 casos, com uma taxa de hospitalização de 30%, sem registo de vítimas mortais.
Massachusetts não é o único estado da Costa Leste a relatar um aumento nos casos. Funcionários do Departamento de Saúde da Virgínia afirmam que os casos de vibriose entre os seus residentes têm vindo a “aumentar nos últimos dez anos”.
Os casos na Carolina do Norte aumentaram 620% nos últimos 10 anos e os de Nova Iorque mais do que triplicaram.
Os cientistas associam esta tendência às alterações climáticas.
As alterações climáticas alimentam a propagação
Os oceanos estão a aquecer e o nível do mar está a subir como consequência das alterações climáticas provocadas pelo homem e os cientistas alertam que esses fatores estão a aumentar o risco de infecções por Vibrio.
Jim Oliver, professor da UNC Charlotte, avisa que o degelo está a diminuir a salinidade dos oceanos – outro fator que aumenta a ameaça. “A água salgada do mar aberto tem uma taxa de salinidade muito alta para a Vibrio vulnificus”, explica. Mas quando a água doce a dilui, “as condições tornam-se mais favoráveis”.
À medida que o clima aquece, mais bactérias permanecem vivas durante o inverno, o que agrava os surtos no verão, porque partimos de um nível já elevado.
Rachel Noble, professora da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, que estuda a Vibrio desde o início dos anos 2000, explica à CNN que o aumento da prevalência desta bactéria potencialmente mortal está a ser “repetido globalmente”, apontando uma “complexidade de questões relacionadas às mudanças climáticas”.
“Este não será o único agente patogénico a aumentar perante as mudanças climáticas”, adverte Noble. “É apenas um exemplo, mas um com o qual podemos realmente aprender.”
A sensibilização salva vidas
Lyons está a incentivar outras pessoas a aprenderem sobre a bactéria Vibrio e espera que as autoridades locais promovam campanhas de sensibilização colocando sinais de alerta tanto para residentes como para visitantes. Qualquer ferida, mesmo um pequeno arranhão, deve ser lavada cuidadosamente com sabão e água corrente limpa, de acordo com as recomendações do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças.
“Espero que a minha história ajude as pessoas a compreenderem o que devem procurar”, diz Lyons. “Pode até salvar uma vida.”
Se desenvolver alguns dos sintomas mencionados, “procure ajuda imediatamente e vá para o serviço de urgências”, recomenda Lyons. “É a melhor coisa a fazer. Vá lá e, com sorte, encontrará alguém que reconheça o que se passa, porque um diagnóstico errado pode ser uma sentença de morte. Pode mesmo ser.”