Um residente de South Lake Tahoe (Califórnia) testou positivo para peste em agosto de 2025, provavelmente após a picada de uma pulga infetada durante um acampamento, noticiou o The Guardian. Um mês antes, um morador do Arizona morreu de peste pneumónica. Casos como estes são invulgares, mas lembram que a Yersinia pestis — a bactéria por trás da Peste Negra — continua ativa em ecossistemas específicos e que a doença, embora hoje tratável, ainda pode ser grave sem antibióticos rápidos.

Onde a peste circula hoje

Nos Estados Unidos, a peste está “entrincheirada” em roedores e nas suas pulgas no Oeste do país desde o início do século XX. Em décadas recentes, a média tem sido de cerca de 7 casos humanos por ano, sobretudo em Novo México, Arizona, Colorado, Califórnia, sul do Oregon e extremo oeste do Nevada. A última epidemia urbana ocorreu em Los Angeles (1924–1925, revela o stacks.cdc.govCDC

Segundo a OMS, globalmente, os focos mais ativos concentram-se em Madagáscar, República Democrática do Congo e Peru, com transmissão essencialmente por pulgas de roedores; a forma pneumónica permite transmissão pessoa-a-pessoa por gotículas e é quase sempre fatal se não for tratada rapidamente.Segundo a mesma fonte de 2010 a 2015 houve 3.248 casos da doença registrados em todo o mundo, incluindo 584 óbitos.

“Se não for tratada, a doença tem um índice de mortalidade de 30% a 60%. Antibióticos, contudo, são efetivos se há diagnóstico precoce”, diz um artigo da BBC.

Europa e Portugal: ainda a salvo

A peste está ausente da Europa há mais de 50 anos; os surtos históricos cessaram a meio do século XX. Em Portugal, o último surto conhecido foi no Porto (1899–1900), durante a Terceira Pandemia — um episódio marcante que motivou reformas sanitárias. Desde então, não há registo de casos autóctones modernos, segundo o estudo . The Third Plague Pandemic in Europe, no entanto, na época esta dizimou metade da população europeia.

Nota histórica: o surto do Porto começou em julho de 1899; estimam-se centenas de casos e mais de uma centena de mortes, documentados em estudos académicos e obras recentes, como refere o artigo science-society.inesctec.ptOpenEdition Journals. O último surto em Londres foi a Grande Praga de 1665, que matou um quinto dos moradores da cidade. Depois houve uma pandemia na China e na Índia no século 19, que ceifou mais de 12 milhões de vidas.

Até agora ainda não foi noticiado nenhum caso em Portugal, nem na Europa, mas com as viagens há sempre riscos que devem ser acautelados.

Porque continua a surgir (e que animais estão em risco)

A Y. pestis mantém-se em ciclos entre roedores selvagens (p. ex., cães-da-pradaria, esquilos terrestres) e as suas pulgas. Em ecossistemas das pradarias norte-americanas, a peste silvática é hoje o maior entrave à recuperação do toupeira-furo-de-pés-pretos (black-footed ferret), espécie em perigo que depende de colónias de cães-da-pradaria; gestores usam pó inseticida nos túneis, iscos com inseticida e até vacinas orais para proteger as colónias, explica o U.S. Fish and Wildlife Service.

Mas curiosamente um artigo da BBC diz que a transmissão desta doença na Europa no Séc. XIV não foi culpa dos ratos como narra a história. Parece que os vilões da história foram as pulgas e os piolhos humanos. Leia aqui a notícia que explica porquê.

As formas da doença (e o que é mais perigoso)

  • Peste bubónica: a mais comum; febre súbita e “bubões” (gânglios dolorosos). Transmissão entre pessoas é rara. Fonte: Organização Mundial da Saúde
  • Peste pneumónica: quando atinge os pulmões; pode transmitir-se por gotículas. Sem antibióticos nas primeiras ~24 horas de sintomas, a mortalidade é muito elevada. Nos EUA não há transmissão pessoa-a-pessoa documentada desde 1924, embora ocorram infeções ligadas a contacto com gatos doentes. Fonte;doh.wa.govPMCSmithsonian Magazine

Guia prático: como reduzir o risco

Para quem vive ou viaja para áreas endémicas (sudoeste/sierra dos EUA, Andes, África oriental/central)

  1. Evite contacto com roedores e buracos de colónias (cães-da-pradaria, esquilos, ratazanas). Não toque em animais mortos, aconselha o documento do ECDC
  2. Use repelente aprovado (DEET, picaridina, IR3535, PMD/óleo de eucalipto-limão, 2-undecanona) em pele exposta; vista calças compridas e meias, especialmente ao acampar, informa o County of San Diego
  3. Escolha zonas de acampamento longe de tocas e sinais de roedores; não alimente fauna selvagem, adverte o artigo do The Guardian.
  4. Controle de pulgas nos animais de companhia (produtos veterinários regulares); não deixe cães/gatos que circulam livremente dormir na sua cama em áreas endémicas., diz o CDC
  5. Mantenha casas/arrumos “à prova de roedores” (fechar acessos, armazenar lixo/comida), e esteja atento a avisos locais de saúde, diz a nota do Mass.gov

Sinais de alerta e ação rápida

  • Sintomas iniciais: febre alta, arrepios, mal-estar, dor de cabeça; bubões (bubónica). Em pneumónica, tosse, dor torácica e expetoração sanguinolenta podem surgir dentro de 24 h do início dos sintomas gripais. Procure cuidados médicos imediatos e informe sobre possível exposição (acampamento, contacto com roedores/gatos doentes). dph.illinois.gov
  • Tratamento: antibióticos eficazes existem — a rapidez é crucial para reduzir mortalidade e prevenir progressão para formas graves. CDC

O que mudou desde a Idade Média?

Ao contrário do século XIV — quando a Peste Negra matou dezenas de milhões na Europa — hoje dispomos de antibióticos, vigilância e controlo de vetores. A doença sobrevive em ecossistemas específicos e ressurge esporadicamente, sobretudo onde humanos, roedores e pulgas se cruzam. Em 2025, os casos dos EUA mostram que o risco é localizado e gerível com informação e medidas simples.