Especialistas apontam desinformação e falta de investimento como principais causas do retrocesso na cobertura vacinal infantil

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A imagem mostra uma criança recebendo uma vacina no braço esquerdo, aplicada por um profissional de saúde que usa luvas azuis. A criança está vestida com uma camiseta branca e jardineira verde clara, e segura um ursinho de pelúcia marrom, o que sugere um ambiente acolhedor, típico de atendimentos pediátricos. A aplicação da injeção está ocorrendo em um consultório médico, com móveis e equipamentos ao fundo, embora o foco esteja claramente na ação da vacinação. A cena transmite uma mensagem de cuidado, prevenção e saúde infantilApesar dos avanços da medicina, o Brasil voltou a ocupar lugar de destaque entre os países com mais crianças sem nenhuma dose de vacina; somente em 2024, 229 mil crianças brasileiras não foram vacinadas – Foto: Freepik
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A baixa adesão ou a não imunização de crianças, jovens e adolescentes volta a acender um cenário preocupante no mundo, em especial, no Brasil. Em todo o planeta, 14,3 milhões de crianças em 2024 não receberam nenhuma dose da vacina contra difteria, tétano e coqueluche, considerada como o primeiro imunizante da infância. Já no Brasil, em 2023, 103 mil crianças não foram vacinadas, passando para 229 mil em 2024, um salto considerável de 126 mil infantes a mais sem imunização. Os dados são da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Com essa queda na imunização, o País passou a ocupar a 17ª posição entre 20 nações com mais crianças não vacinadas no mundo.

Fernando Bellissimo Rodrigues – Foto: Reprodução/Fapesp

Um dos fatores para o aumento de crianças zero-dose, como são conhecidos os menores que não receberam nenhuma vacina de rotina, é o avanço do movimento antivacina, aponta o infectologista Fernando Bellissimo Rodrigues, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP. “Tem acontecido uma epidemia de informações falsas divulgadas propositalmente por pessoas mal-intencionadas nas redes sociais. E o objetivo desses indivíduos não é especificamente reduzir a cobertura vacinal, mas fazer lucro com a desinformação”, reforça.

O primeiro passo para reverter o quadro nacional é combater as notícias falsas, por meio de campanhas do Ministério da Saúde. “A introdução de campanhas nacionais, desmistificando conteúdo falso é de extrema importância para o esclarecimento das populações a respeito das vacinas.” Outro aspecto relevante, relata o infectologista, é a reafirmação de políticas de atenção primária à saúde. “Um exemplo seria a ampliação de agentes comunitários da saúde que são vinculados ao modelo de estratégia de saúde da família. Esses profissionais são responsáveis por ir até a casa das pessoas, verificar o cartão vacinal de cada membro da família e, principalmente, estimular uma maior adesão à imunização, cuja cobertura necessita ser expandida no Brasil”, explica.

Para ele, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem plena capacidade de vacinar todos os jovens e crianças pelo Programa Nacional de Imunização (PNI). “No SUS, obviamente, existem falhas pontuais, como a falta de vacinas em algumas unidades básicas, mas não temos informações de faltas prolongadas ou desabastecimento. O PNI tem, sim, condições de ofertar e vacinar todos, o que precisamos é levar essas crianças para as unidades de saúde”, enfatiza.

Conscientização e investimento

Segundo a pediatra Jorgete Maria e Silva, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, o controle de doenças infecciosas no Brasil levou a população a criar a ilusão de que essas enfermidades haviam sido erradicadas. “Entre 2012 e 2016, começou a se observar uma queda na vacinação. Na época, passou-se a ter menos casos de sarampo e poliomielite. Esse fato ocasionou uma falsa impressão de que as doenças estavam controladas e que não era preciso receber imunização. Em conjunto a isso, houve também o crescimento de ideias de grupos antivacinas”, diz.

Uma mulher de cabelos castanhos sorrindo para a foto.Jorgete Maria e Silva – Foto: Arquivo pessoal

Jorgete ressalta que a não adesão à vacinação provoca o retorno de doenças que podem ser evitadas. “O maior impacto é trazer doenças imunopreveníveis, como surtos de sarampo, coqueluche e poliomielite.” Além disso, a especialista alega que há uma falta de investimento em profissionais na área da saúde. “Antigamente tinha profissionais bem treinados que ficavam responsáveis por vacinar e orientar a população. Hoje existe uma rotatividade muito grande desses profissionais que não conseguem dar conta da demanda, sobretudo pelo sucateamento da saúde pública.”

Para enfrentar essa realidade, Jorgete defende a necessidade de comunicação com a população brasileira. “Assim como os antivacinistas ganharam a mídia, passando informações duvidosas contra vacina, o Ministério da Saúde precisa obter cada vez mais espaço no meio de comunicação e divulgar a importância dos imunizantes”, destaca. E finaliza: “A introdução da educação efetiva, tanto no âmbito acadêmico quanto da população no geral, em específico aos mais vulneráveis, passa a ser algo indispensável para reduzir os casos de não vacinação”.

*Estagiária sob supervisão de Ferraz Junior e Rose Talamone