Milei quebrou o silêncio em relação ao escândalo, rejeitando as acusações supostamente proferidas pelo antigo líder da ANDIS, Diego Spagnuolo. “Tudo o que ele disse é mentira, vamos levá-lo a tribunal e provar que mentiu”, garantiu Milei, em Lomas de Zamora, pouco antes de ser atacado por manifestantes. Foi a primeira declaração pública e direta da Casa Rosada sobre o escândalo desde o anúncio do despedimento de Spagnuolo, a 19 de agosto – quando a Presidência culpou a Oposição pela “exploração política durante um ano eleitoral”.
O político de extrema-direita mal se tinha deslocado 200 metros numa caravana no bastião peronista localizado na província de Buenos Aires quando opositores começaram a atirar pedras, ovos, plantas e garrafas de plástico contra o ato de campanha eleitoral. Milei não se feriu e foi retirado do local. A ministra da Segurança, Patricia Bullrich, em declarações ao jornal “La Nación”, informou que houve detenções e culpou o presidente da Câmara da cidade pela situação.
Manifestantes lançaram pedras contra Milei, que não ficou ferido. (Foto: Juan Mabromata / AFP)
“O Milei veio para provocar. E bem, ele teve de ir embora, como era apropriado”, disse o reformado Ramon, ouvido pela agência France-Presse. O episódio simboliza a queda de popularidade do Governo, segundo apontam sondagens.
Ao lado do chefe de Estado argentino no comício estava a irmã, Karina Milei, braço direito do conservador. A secretária-geral da Presidência é uma das figuras em destaque num alegado esquema de suborno na compra de medicamentos pelo Governo.
Suborno de 8% de farmacêutica
O caso ganhou destaque no dia 19 de agosto, quando os média argentinos divulgaram áudios atribuídos ao então chefe da ANDIS, demitido horas depois. Uma voz semelhante à de Spagnuolo menciona a existência de uma rede de corrupção na agência, que exigia o pagamento de 8% do faturação da farmacêutica Suizo Argentina, o que resultaria em valores entre 500 mil a 800 mil dólares (428 mil a 685 mil euros) mensais.
A pessoa na gravação afirma que Milei “não está envolvido, mas todo o seu pessoal está”. “Vão pedir guito aos fornecedores”, terá dito Spagnuolo, acrescentando que “Karina [Milei] recebe 3% e 1% vai para a operação”. Também é implicado no caso Eduardo “Lule” Menem, subsecretario de gestão institucional da Presidência e sobrinho do ex-presidente Carlos Menem (1989-1999).
Antigo diretor da ANDIS, Diego Spagnuolo, e o presidente argentino, Javier Milei. (Foto: ANDIS)
Um juiz federal ordenou, na sexta-feira, a realização de buscas em 16 locais, incluindo na residência de um dos proprietários da Suizo Argentina, Emmanuel Kovalivker. Segundo o “La Nación”, o empresário foi intercetado pela Polícia enquanto tentava fugir no seu carro, onde transportava 266 mil dólares (227 mil euros) e sete milhões de pesos argentinos (4,4 mil euros), separados em envelopes. O dinheiro, o passaporte e o telemóvel foram apreendidos.
O irmão e parceiro de negócios na farmacêutica, Jonathan Kovalivker, conseguir escapar à operação, tendo-se apresentado à Justiça apenas na segunda-feira, quando entregou o telemóvel.
Novos áudios reforçam acusações
Numa nova fuga de informações, também na quarta-feira, com mais áudios atribuídos a Spagnuolo, fala-se num alegado esquema de “repartição” dos contratos na Agência Nacional para a Deficiência, colocando Lule Menem no centro do escândalo e Karina como responsável por “manejar tudo isto”, de acordo com o periódico “Clarín”. A irmã de Milei não se pronunciou ainda.
O ex-chefe da ANDIS terá criticado o porta-voz presidencial, Manuel Adorni, que expôs, em julho de 2024, uma tentativa de fraude de pensão que envolveu um raio-x de um cão, numa forma de criticar os Governos anteriores comandados pelos opositores. “Vejam a comunicação, têm aquele idiota do Adorni, a quem demos todas as informações… Dissemos-lhe ‘esta pensão não foi atribuída’, aquela sobre o raio-X do cão. O que diz ele? ‘Esta pensão foi atribuída’, e eu tenho de estar sempre a explicar que esta pensão não foi atribuída”, queixou-se, alegadamente, Spagnuolo.
Por fim, há um elogio à vice-presidente, Victoria Villarruel, que “não rouba”. Forte defensora da ditadura militar, Villarruel já teve vários momentos de tensão com Milei, tendo culminado no rompimento, em julho, quando a vice-presidente, que comanda também o Senado, não impediu a sessão em que a Oposição conseguiu aprovar o aumento de pensões e subsídios para pessoas com deficiência. Sem referir nominalmente, Milei chamou-lhe “traidora”.
Eleições intercalares à vista
O partido de Milei, La Libertad Avanza (LLA), em conjunto com a coligação e aliados, tem pouco menos de 90 assentos na câmara baixa do Congresso, com a Oposição a ocupar 165 lugares. A desvantagem continua no Senado, onde LLA e aliados controlam 20 cadeiras e os opositores têm 52 senadores.
A última sondagem feita pela consultora Management & Fit, divulgada no meio de agosto, antes do escândalo monopolizar as manchetes argentinas, mostrava o LLA com 43,8% nas legislativas, com uma vantagem de 15,6 pontos percentuais em relação ao Centro-Esquerda do Fuerza Patria, ligada ao peronismo e ao kirchnerismo, que tinha 28,2%. A margem de erro é de 2,1 pontos.
As legislativas no país sul-americano ocorrerão no dia 26 de outubro, quando serão renovados 127 dos 257 assentos da Câmara dos Deputados e 24 das 72 cadeiras do Senado. Além disso, há eleições provinciais em todo o país ao longo do ano, incluindo em Buenos Aires, a 7 de setembro. A província, que não engloba a capital, mas os arredores, conta com cerca de 40% dos eleitores registados na Argentina.
Todas as quartas-feiras, manifestantes protestam na Plaza del Congreso contra veto de aumento das pensões por Milei. (Foto: Juan Ignacio Roncoroni / EPA)
O líder de extrema-direita tem sofrido com uma queda na popularidade, com uma sondagem da consultora Trespuntozero a indicar que, em agosto, Milei perdeu quatro pontos percentuais na aprovação, tendo 44%. O impacto do alegado caso de corrupção não esteve ainda presente no levantamento. Um dos principais grupos a expressar revolta com o Governo ultraliberal é o dos reformados, que frequentemente tem realizado protestos contra os vetos da Casa Rosada ao aumento das pensões.