Mette Frederiksen, primeira-ministra da Dinamarca, formalizou, pela primeira vez na história do país, um pedido de desculpas dirigido a milhares de mulheres gronelandesas objecto de contracepção forçada durante mais de uma década. O pedido foi feito num comunicado conjunto com o primeiro-ministro daquele território árctico autónomo, numa altura em que a questão da autodeterminação da ilha suscita o interesse e a intervenção dos Estados Unidos.

O Governo dinamarquês, em comunicado, fez mea culpa sobre a “discriminação sistémica” que as mulheres gronelandesas sofreram, nomeadamente pelo “dano físico e psicológico” causado. “Não podemos mudar o que aconteceu, mas podemos assumir responsabilidade. Em nome da Dinamarca, gostava de pedir desculpa”, disse Frederiksen.

“Peço também desculpa por todos os outros capítulos negros de discriminação sistémica contra os gronelandeses, só porque eram gronelandeses. Peço desculpa por essas falhas pelas quais a Dinamarca é responsável e sobre as quais os gronelandeses foram tratados de forma diferente e inferior face ao resto dos cidadãos do reino”, acrescentou ainda a primeira-ministra.

Jens-Frederik Nielsen, o primeiro-ministro da Gronelândia, também assinou o comunicado e aproveitou a ocasião para pedir desculpa pelos abusos que continuaram a acontecer mesmo depois de 1992, ano em que a ilha passou a ser autónoma também na área da saúde pública.

A Gronelândia foi formalmente uma colónia dinamarquesa até 1953, tendo conquistado um estatuto de semiautonomia em 1979 e, gradualmente, assumindo a gestão de várias áreas da vida pública, como a saúde em 1992. Foi durante as décadas de 1960 e 1970 que cerca de 4500 mulheres e crianças foram alvo da inserção, sem consentimento e frequentemente sem conhecimento, de dispositivos intra-uterinos (DIU), numa tentativa de redução da população nativa.

Foi só em 2022 que a prática chegou ao conhecimento da opinião pública dinamarquesa, depois de um podcast de investigação, o Spiralkampagnen, ter explorado este capítulo da história da Gronelândia. Desde então, várias mulheres têm partilhado publicamente as suas experiências de contracepção não consentida.

Destas, 143 exigiram à Dinamarca uma indemnização no valor de 43 milhões de coroas dinamarquesas (cerca de cinco milhões e 760 mil euros) por violação de direitos humanos. Quer o país, quer a região semiautónoma, já assumiram estar a avaliar a possibilidade pagar compensações às mulheres nativas.

Contudo, em teoria, o Governo dinamarquês estará ainda à espera dos resultados de uma investigação oficial para tomar uma posição sobre as compensações e, esperava-se, para emitir o pedido de desculpa que é agora feito. Os resultados do estudo, organizado pelo Centro de Bem-Estar do Árctico Ilisimatusarfik e o Centro de Saúde Pública da Gronelândia da Universidade do Sul da Dinamarca, aguardados desde 2022, deverão ser publicados na segunda-feira, 1 de Setembro.

A antecipação, por alguns dias, do pedido de desculpa, acontece numa altura em que dinamarqueses e gronelandeses debatem o futuro da sua relação histórica sob o interesse crescente dos Estados Unidos naquele território estratégico do Árctico. Na semana passada, a Dinamarca acusou três pessoas com ligações ao Presidente norte-americano Donald Trump de executarem uma operação de influência para promover a secessão da ilha, que a actual administração norte-americana tem dito que pondera anexar. Os EUA negaram as acusações esta quinta-feira, reafirmando contudo o seu apoio à autodeterminação gronelandesa.