Não são só as conhecidas caravelas-portuguesas, mas várias gelatinosas estão a dar à costa, surgindo em quantidade nas praias de Portugal nos últimos dias e criando uma situação “extraordinária”. Em apenas uma semana, serão já mais de 150 avistamentos registados. A força do vento e do mar, amplificada com a tempestade Erin, terá favorecido os arrojamentos. O alerta foi feito esta semana pelo projecto GelAvista, coordenado pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

“Estamos a ter muitos avistamentos de caravela-portuguesa ao longo de toda a costa oeste, centro e norte”, confirma ao Azul a cientista Antonina dos Santos, coordenadora do projecto GelAvista que esta semana lançou o alerta: “A caravela-portuguesa está a arrojar às praias da costa oeste de Portugal, entre os concelhos de Leiria e Viana do Castelo.” Entretanto, os especialistas adiantaram que também receberam informação de avistamentos mais a sul, concelho de Torres Vedras. “Pelo que, poderão vir a ocorrer em toda a costa oeste”, acrescentam.

A previsão confirma-se. Segundo Antonina dos Santos, estamos perante uma situação “extraordinária”. Só no passado fim-de-semana terão sido recebidos alertas sobre meia centena de avistamentos de caravelas-portuguesas. E durante esta semana, os alertas continuam a chegar às dezenas. O factor do ciclone pós-tropical Erin, que trouxe uma forte agitação marítima (que deverá prolongar-se até domingo), será uma das mais prováveis explicações para este elevado número de avistamentos.

“Não temos ainda as contas feitas, mas podem facilmente ser mais de 150”, arrisca a cientista, que acrescenta que estes registos vão desde Santa Cruz, em Torres Vedras, até Caminha. E a especialista destaca ainda um detalhe: “Nos concelhos de Vila do Conde e Póvoa de Varzim houve avistamentos em todas as praias.”




Vários moluscos gastrópodes, provavelmente do tipo da Vinagreira, apareceram no areal da Praia de Matosinhos Sul. Não são perigosos para humanos
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Em Março deste ano, o IPMA já tinha registado um aumento invulgar de avistamentos de caravelas-portuguesas.

Deixando os avisos sobre os cuidados a ter se entrar em contacto com estes organismos gelatinosos (ver caixa), o GelAvista insiste no apelo a todos os cidadãos para que reportem qualquer avistamento para a aplicação ou para o email plancton@ipma.pt, com: data e hora do avistamento; localização do avistamento; fotografia do(s) organismo(s), se possível com algum objecto que sirva de referência de escala; número de organismos avistados na mesma zona.

O programa GelAvista monitoriza, desde 2016, organismos gelatinosos em Portugal, incentivando os cidadãos a contribuir para o avanço da ciência através da comunicação dos avistamentos das espécies que ocorrem no país.

Outros avistamentos

Não são só as caravelas-portuguesas que estão a arrojar. Esta quarta-feira feira, por exemplo, o projecto GelAvista divulgou informação sobre as ocorrências de gelatinosas no concelho de Lagos. “As espécies mais avistadas têm sido a medusa-tambor, a medusa-do-tejo, e a medusa-compasso, respectivamente. A Meia Praia, a praia de Porto Mós e a ribeira de Odiáxere são os locais do concelho de Lagos de onde recebemos mais avistamentos, numa base de dados que apresenta registos desde 2016”, acrescentam os especialistas.

Na praia de Matosinhos, organismos de outro tipo deram à costa nos últimos dias. Porém, segundo Antonina dos Santos, trata-se de “moluscos gastrópodes”, não são organismos gelatinosos, mas uma classe de moluscos conhecida por animais como caracóis, lesmas e búzios.

Observando algumas fotografias enviadas ao AZUL, a especialista refere que provavelmente são do género Aplysia (do tipo da Vinagreira). “Não são perigosos para humanos. São comuns do litoral Português. Foram arrojados na praia de Matosinhos, provavelmente em consequência da tempestade Erin”, explicou.

“Provavelmente têm a ver com os ventos que se têm vindo a sentir na costa”, acrescenta Antonina dos Santos, adiantando ainda que, neste caso, “os moluscos gastrópodes (Aplysia) são inofensivos e podem ser removidos sem nenhum cuidado especial”. “Não são conhecidos casos de alergias em humanos.”

Eliminar? Não, são espécies importantes

O fenómeno do arrojamento das caravelas-portuguesas é comum, e o contacto com elas pode desencadear reacções alérgicas. “Na maioria dos casos, os sintomas são ligeiros, como dor e queimadura, vermelhidão e inchaço, comichão e formigueiro. Mas em algumas situações, a reacção pode ser grave e incluir: dores no peito, abdominais e musculares, problemas cardíacos (dor/arritmias), náuseas, vómitos e desmaios, dor de cabeça, dificuldade em respirar ou reacção alérgica severa”, referem os especialistas do GelAvista.

Devido aos incómodos sintomas que estas espécies urticantes podem provocar, não reúnem muita simpatia dos veraneantes. Por isso, não é de admirar que, num dos comentários sobre os avistamentos, um dos seguidores deste projecto proponha a eliminação destes organismos.

Porém, esse não é o caminho a seguir. “Esta espécie é muito importante para a manutenção da saúde dos ecossistemas marinhos e, entre outros serviços, serve de alimento a muitas outras, como diversas espécies de peixes e tartarugas. Por outro lado, se não lhes tocarmos, elas não fazem mal a ninguém. Sobretudo, são animais lindos! É só necessário conhecer as espécies e estar atento”, dizem os especialistas.

Em várias regiões do mundo, as gelatinosas estão a aumentar, e esse aumento, segundo os cientistas, poderá ser atribuído às alterações climáticas e à subida da temperatura da água. Essa ligação, em Portugal, ainda não é clara, até porque não existem dados suficientes, nem estudos publicados sobre este tema que permitam estabelecer relação de causalidade. Tendo em conta as variabilidades do clima, são necessários mais dados para estabelecer a relação com as alterações climáticas. Com Clara Barata