A expectativa era ser o novo estágio da internet, redefinir a vida digital, levar pessoas a festas como avatares e popularizar os óculos de realidade virtual no consumo e trabalho. Foi a grande promessa da tecnologia na virada desta década, angariou bilhões de dólares e mobilizou gigantes da indústria. Mas rapidamente perdeu fôlego.

Como outras ondas tecnológicas do último século, o metaverso viveu um pico de atenção seguido por queda abrupta. Agora, avança de forma mais silenciosa e prática. A indústria usa gêmeos digitais (réplicas virtuais de ambientes reais) para simular operações, treinar equipes ou monitorar ativos à distância. As plataformas sociais que criam mundos virtuais vão além dos jogos. E as big techs, embora com menor alarde, lançam novas gerações de óculos de realidade virtual .

A ideia central do metaverso é a de um ambiente digital imersivo e compartilhado, onde pessoas interagem por meio de avatares. Embora a ideia já circulasse em nichos da tecnologia e da cultura pop, foi só no início dos anos 2020 que ela ganhou tração, quando a pandemia obrigou o mundo inteiro a se confinar.

Jogos sociais como o Roblox, em que usuários criam seus próprios “mundos”, ajudaram a consolidar a ideia de que um novo tipo de interação online estava para emergir. Shows nessas plataformas, principalmente no Fortnite, atraíram milhões de pessoas durante o isolamento — um dos mais emblemáticos foi o do rapper Travis Scott, com 12,3 milhões de participantes simultâneos.

Apple e Microsoft entraram na onda. O caso mais emblemático foi o de Mark Zuckerberg, que rebatizou o Facebook como Meta e declarou que estaríamos diante da nova era da internet. Investidores em busca de altos retornos (dispostos a correr risco) também embarcaram: startups da área levantaram quase US$ 12 bilhões entre 2021 e 2022.

Roblox não é apenas uma onda passageira — Foto: Divulgação Roblox não é apenas uma onda passageira — Foto: Divulgação

A realidade começou a bater à porta do frenesi do metaverso com o fim do isolamento. Com a volta do presencial, muita gente questionou se fazia sentido criar avatares para frequentar eventos sociais. Por que, também, trocar uma reunião por Zoom por um encontro mediado por óculos caros e pesados?

A frustração com projetos alardeados como revolucionários também contribuiu para o desânimo — caso do Horizon Worlds, plataforma de “mundos” em 3D da Meta. Em 2022, a empresa demitiu milhares de pessoas da divisão dedicada à realidade virtual . Meses depois, Disney, Microsoft e Tencent também recuaram nos investimentos.

Para a especialista em tecnologias emergentes, cientista de dados e curadora digital Zaika Santos, o grande “furo” do metaverso foi a propagação de uma visão imediatista em relação a tecnologias imersivas. Essa pressa, segundo ela, sufocou iniciativas mais sólidas que hoje resistem longe dos holofotes.

— A sociedade tem uma expectativa muito imediata com tecnologias emergentes, quando na verdade o metaverso é um conceito amplo, que envolve realidade virtual, internet das coisas e blockchain. É importante entender que ele não acabou — afirma ela.

A pesquisadora cita a plataforma Spatial como um exemplo de ambiente colaborativo e criativo, que permite a gerar ambientes para exposições imersivas. Artistas e curadores podem criar galerias digitais. Entre empresas, a plataforma é usada para revisão de protótipos virtuais, plantas e design de espaços ou produtos 3D.

Giovanna Casimiro, produtora na Sawhorse Production e professora no Instituto Francês de Moda, em Paris, diz que parte do que se discutia como “metaverso” na euforia inicial seguiu adiante, mas de outras formas.

— Quando a gente olha para jogos como Roblox, Fortnite, Minecraft, percebe que essas plataformas não sumiram. Elas consolidaram um comportamento. Muitas pessoas mais novas estão nesses ambientes — lembra Casimiro, que foi diretora do Decentreland, uma plataforma de mundos virtuais 3D.

Hoje, o Roblox recebe em média o acesso de 97,8 milhões de usuários por mês. A plataforma investe na diversidade de jogos e amplia receita com publicidade. Já o Fortnite alcançou a marca de 650 milhões de contas registradas.

O Second Life, jogo online lançado em 2003, segue vivo. A audiência é cativa, apesar de mais reduzida, com cerca de 40 mil usuários ativos diários, que promovem encontros e mantém tradições, como a festa comemorativa dos 22 anos da plataforma

Na parte dos equipamentos, Casimiro cita movimentos recentes como indicadores de que uma nova fase está se consolidando, entre eles o lançamento do Android XR, uma versão do sistema operacional do Google voltada para realidade estendida, que deve ampliar os aplicativos que existem conectados aos óculos de realidade virtual e estendida.

No ano passado, a Meta lançou uma versão mais acessível dos seus óculos por US$ 299, além de começar a produzir óculos inteligentes, com câmeras e comandos por toque e voz. Já a Apple investe no Vision Pro, que passou a ter a função se tornar uma “tela virtual”, em que o usuário pode abrir e redimensionar múltiplos aplicativos em janelas flutuantes, como se estivesse diante de um desktop gigante.

Marcelo Teixeira, pesquisador de tecnologias imersivas e CEO da SMTech, diz que o avanço das tecnologias imersivas é contínuo, e foi um erro imaginar que se esgotaria em um salto tecnológico único em avatares e óculos. Para ele, trata-se de projetar os próximos passos no relacionamento entre o físico e o digital.

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