Durante décadas, os geólogos procuraram, sem sucesso, uma justificação para a devastação do Grande Terramoto de 1755, cuja magnitude é hoje estimada entre os 8.5 e 8.7 na escala de Richter. Mas a região onde ocorreu, a Planície Abissal da Ferradura, a cerca de 200 quilómetros do Cabo de São Vicente, apresentava-se como uma formação geológica plana, aparentemente estável.
A nova conclusão a que chegou este estudo mostra que, na verdade, existe uma fissura profunda, oculta nas profundezas do Atlântico ao largo da costa portuguesa, que poderá finalmente explicar os grandes sismos que abalaram Lisboa em 1755 e 1969.
A descoberta, feita por uma equipa da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e publicada esta semana na prestigiada revista Nature Geoscience, desvenda um enigma geológico com séculos.
Segundo João Duarte, geólogo e professor na Universidade de Lisboa, em entrevista à Lusa, citada pelo Observador, o estudo revelou que uma porção da placa tectónica Africana está a separar-se em duas camadas: a camada inferior está a afundar-se lentamente para o manto da Terra, enquanto a superior permanece à superfície, aparentemente intacta. “É como se uma lâmina estivesse a separar a placa horizontalmente”, explica o investigador.
Este fenómeno, invisível à superfície, só foi detetado graças a uma combinação de tomografia sísmica (uma espécie de ecografia da Terra) e o registo de micro-sismos captado por sismómetros instalados no fundo do mar durante oito meses.
A descoberta permite explica pela primeira vez, com base física, a origem provável do terramoto de 1755. Além disso, mostra que a região ao largo de Sagres pode gerar grandes sismos, mesmo sem falhas visíveis à superfície.
Assim, os investigadores da Universidade de Lisboa identificaram Portugal continental como uma zona com potencial risco sísmico extremo, algo que até agora era sugerido, mas sem uma explicação clara.
“O que está ali a acontecer é um processo que pode gerar sismicidade significativa. Vai ter de ser considerado nos modelos de risco sísmico”, alerta João Duarte.
Uma janela para a prevenção
Embora a ciência ainda não consiga prever sismos, a nova geração de cabos submarinos de comunicação que será instalada naquela zona poderá ajudar a monitorizar melhor a atividade sísmica. Estes cabos terão sensores que podem fornecer dados em tempo real, algo que até hoje não existia com este nível de precisão no local.
Além disso, João Duarte acredita que a inteligência artificial poderá ter um papel crucial no futuro. Apesar dos grandes sismos serem eventos raros, e por isso difíceis de prever com base estatística, o estudo contínuo dos sismos pequenos, que ocorrem diariamente, pode abrir novas hipóteses de análise preditiva.
Até agora, os maiores sismos registados na Europa ocorreram precisamente nesta zona de fronteira entre a placa Euroasiática e a placa Africana onde Portugal se situa.
Além do terramoto de 1755, que destruiu grande parte de Lisboa e provocou tsunamis até ao Brasil, há registo de outros eventos relevantes: o sismo de 1969 (magnitude 7.9) e os de 1356 e 1761.
Com este novo conhecimento, espera-se uma evolução dos modelos de avaliação do risco sísmico e o reforço da vigilância na região.