O argentino Daniel Benchimol trabalha dando conselhos sobre tecnologia a editoras de vários países. À frente da consultoria Proyecto451 há quase 15 anos, já ajudou empresas a navegarem mudanças como o ebook, o audiolivro, as plataformas virtuais de vendas. E diz que sua função primordial hoje é derrubar a resistência do setor à inteligência artificial.
“O livro sobreviveu a todas essas transformações do mundo digital, as livrarias seguem relevantes, e isso é ótimo, mas dá ao setor uma confiança cega de que nada vai mudar, que podem seguir operando na mesma lógica. Mas nosso mundo vai mudar muito.”
O Proyecto451 atua na Espanha e na América Latina e já prestou serviços para alguns dos principais conglomerados editoriais em atividade, como Penguin Random House, Planeta e Macmillan. Benchimol diz que os editores com que trabalha costumam enxergar as transformações da IA com um misto de medo e ceticismo. Sua tarefa, diz, é corrigir isso.
“Há uma percepção de que as tarefas de uma equipe editorial não podem ser feitas por nenhuma máquina, porque a máquina não tem sentimentos e não pode entender o que realmente se passa por trás de um texto. Então nunca vai poder produzir ou revisar textos como um humano. Mas as provas que temos apontam que isso vai acontecer, sim. Temos uma ferramenta tão ou mais capaz que um humano.”
Benchimol veio ao Brasil na semana passada, a convite da Câmara Brasileira do Livro, para falar no Encontro de Editores, Livreiros, Distribuidores e Gráficos que aconteceu no Guarujá, litoral de São Paulo. Deu duas disputadas palestras sobre uso de IA no auditório principal do evento que congregou uma fatia importante da indústria do livro no país.
Em conversa com a coluna nesta quinta, ele detalhou melhor seus pontos de vista. Segundo ele, cada editora ou livraria precisa refletir sobre quais são os principais valores de seu catálogo e onde é essencial preservar o olhar humano. As outras tarefas podem ter ganhos de eficiência com os recursos da IA.
Isso porque a cadeia do livro como um todo é “muito ineficiente”, segundo o consultor. “É um comércio em que se produz uma enorme quantidade de exemplares que nunca são lidos, muitos são destruídos.”
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Se estamos diante de uma nova revolução industrial, como compara Benchimol, ele ainda não vê ameaças imediatas a empregos de ilustradores e escritores por enquanto, apesar de já perceber que os tradutores estão tendo muito menos trabalho.
Do lado corporativo, ele diz que os acordos de editoras com empresas de IA para uso de seu material —da maneira como fez a HarperCollins de modo pioneiro no último ano— é “um caminho que todas vão ter que percorrer mais cedo ou mais tarde”.
Nessa negociação, um ponto a ficar atento é o cumprimento de prazos pelas empresas de tecnologia. Por exemplo, se um contrato desse tipo expirar, as editoras devem ser capazes de exigir que seu conteúdo seja excluído para não ser mais usado pela IA. Benchimol reconhece que é um negócio difícil e que a lei tem pendido para o lado do Vale do Silício, aos menos nos Estados Unidos.
“Estamos caminhando para um novo pacto, no qual as empresas de inteligência artificial precisam de conteúdo de qualidade e de valor para se nutrir. E está comprovado que os conteúdos que as editoras produzem são os mais valiosos para esses modelos.”
O colunista viajou a convite da Câmara Brasileira do Livro
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