Autor da icônica pintura ‘O Grito’ teve sua trajetória profundamente marcada por experiências ligadas a doenças que enfrentou em vida
O famoso artista norueguês Edvard Munch (1863–1944), conhecido mundialmente pela icônica pintura ‘O Grito’ (1893), teve sua trajetória profundamente marcada por experiências ligadas a doenças que enfrentou em vida.
Filho e irmão de médicos, Munch cresceu em um ambiente onde a medicina estava presente no cotidiano, e sua própria saúde frágil, combinada com a sucessão de perdas familiares, moldou uma sensibilidade artística voltada para o sofrimento humano.
Essa conexão entre arte e enfermidade é o foco da exposição Lifeblood: Edvard Munch, atualmente em cartaz no Museu Munch, em Oslo.
Como destaca a revista Smithsonian, a mostra busca revelar como o artista usou suas obras para explorar a dor, o medo, a perda e a busca por cura — temas universais que dialogam tanto com sua biografia quanto com a história da medicina entre os séculos 19 e 20.
Curada por Allison Morehead, historiadora de arte da Queen’s University, no Canadá, Lifeblood reúne não apenas pinturas, mas também objetos pessoais e artefatos médicos que contextualizam a obra de Munch em relação ao avanço científico da época.
Segundo a pesquisadora, a exposição “permite que os visitantes explorem a história da saúde por meio do trabalho poderosamente expressivo de Munch, sintam e reflitam sobre nossas vulnerabilidades corporais e entendam melhor nossa busca contínua pela saúde”.
Saúde frágil
Desde criança, Munch enfrentou doenças respiratórias e passou longos períodos recluso, cercado por livros, remédios e tendo de lidar com o sofrimento dos entes queridos. Aos cinco anos, perdeu a mãe, vítima de tuberculose. Nove anos depois, a irmã mais velha, Sophie, morreria da mesma doença.
A perda de Sophie, é importante mencionar, marcou profundamente o artista, tanto que, mais tarde, ele pintaria o quadro ‘A Criança Doente’ (1886), que apresenta uma jovem enferma em seus últimos momentos de vida.
Auto-retrato de Edvard Munch com gripe espanhola (1919) ao lado de equipamentos de respiração que o artista usou durante sua doença / Crédito: Divulgação/Ove Kvavik/Munchmuseet
Mas as tragédias não pararam por aí. Um outro irmão, Andreas, morreria de pneumonia na vida adulta. Além disso, a irmã Laura foi internada em uma instituição psiquiátrica, e o próprio Munch lutou contra crises nervosas e períodos de isolamento.
Como Mai Britt Guleng, curadora do Museu Nacional de Oslo, destacou em declaração à Scientific American em 2021, “havia doenças hereditárias na família de Munch — doenças mentais, nervosas e tuberculose” e, portanto, “Munch e seus irmãos estavam preocupados com isso.”
A exposição
A exposição no Museu Munch conta com obras menos conhecidas do início da carreira do artista, como pequenas aquarelas de frascos de medicamentos, feitas ainda na adolescência. Também estão presentes pinturas mais dramáticas e simbólicas, como ‘Auto-retrato com gripe espanhola’ (1919), realizado quando ele enfrentava a doença que devastou a Europa no pós-guerra.
A imagem mostra Munch fragilizado, com expressão exausta, encarando o espectador enquanto luta para respirar. A obra é exibida ao lado do equipamento que o ajudou a sobreviver durante esse período.
Outro destaque da mostra é ‘Na mesa de operação’, uma pintura impactante que mostra um paciente cercado por médicos, enfermeiras e espectadores durante uma cirurgia. Essa obra, vale destacar, remete a um episódio violento da vida de Munch: em 1902, após uma briga com sua noiva, ele foi atingido por um disparo na mão.
A cirurgia para remover o projétil inspirou a pintura. Na exposição, o quadro é apresentado ao lado de uma radiografia de sua própria mão, na qual ainda se pode ver a bala alojada em um dos dedos.
Na mesa de operação, Edvard Munch, 1902-03 / Crédito: Divulgação/Juri Kobayashi / MunchmuseetSaúde feminina
Além das experiências pessoais, Munch também se interessava pelas questões médicas que afetavam a saúde feminina e seu trabalho aborda temas recorrentes na época como histeria, melancolia, parto, contracepção e sífilis.
A pintura Herança (1897–99), por exemplo, retrata uma mulher tuberculosa segurando um bebê doente e foi inspirada em uma visita que Munch fez a um hospital de sífilis em Paris.
Para o diretor do museu, Tone Hansen, a exposição — que conta com mais de cem peças entre obras de arte e itens históricos — é uma oportunidade de revisitar a obra do pintor sob uma nova luz. “Ao entrelaçar o trabalho de Munch com a história da medicina, esta exposição nos convida a refletir sobre nossa própria saúde e vulnerabilidade em um momento de profunda incerteza”, destaca.