Um estudo publicado este sábado pelo Centro Nacional de Investigações Cardiovasculares espanhol mostra que milhões de pessoas após sofrerem um enfarte estão a tomar betabloqueantes com poucos efeitos práticos. O ensaio clínico, feito em Espanha e em Itália com 8.500 pacientes, concluiu que a toma destes fármacos pode “prejudicar mais do que beneficiar”.
“Este ensaio clínico foi muito bem planeado, controlado e envolve milhares de doentes. De facto, conclui que, numa parte dos doentes que sofreram um enfarte e não em todos, não há diferenças em termos de benefício”, explicou, à Rádio Observador, Ana Gomes de Almeida, professora de Cardiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Os betabloqueantes são, há várias décadas, receitados após um quadro de enfarte. Na altura, os estudos clínicos mostravam que aqueles medicamentos “reduziam os enfartes, os re-enfartes, a hospitalização e a morte”, indicou Ana Gomes de Almeida. Contudo, “tudo mudou” nos últimos anos. Há agora “tratamentos muito mais eficazes” e os doentes, se “forem cedo ao hospital”, conseguem “evitar o enfarte e ficam com a função do coração preservada”.
Este estudo veio exatamente provar que não existem benefícios na toma desses betabloqueantes para os doentes com “boa função cardíaca e ventricular”. No entanto, para os que tiveram complicações, de acordo com a professora universitária, este medicamento efetivamente “melhora o prognóstico dos doentes” que têm uma “sobrevida maior, menos complicações, menos enfartes e evitam-se complicações”.
Porém, os betabloqueantes eram normalmente receitados mesmo para os que ficavam com boa função cardíaca, mesmo que já se duvidasse da sua eficácia. “Este trabalho vem trazer uma informação inovadora. Já tinha havido alguns pequenos estudos para a possibilidade de se evitar o uso dos betabloqueantes nos doentes com boa função cardíaca. E este estudo cabalmente veio demonstrar que não há diferença”, aponta Ana Gomes de Almeida, que classifica este ensaio clínico como um “marco” no tratamento das doenças cardiovasculares.
Uma vez que era receitado para muitos doentes que, afinal, não necessitavam, os betabloqueantes podiam até causar efeitos secundários indesejados. Mais: o estudo clínico mostrou que estes medicamentos poderiam ser particularmente prejudiciais para o sexo feminino. De acordo com o El País, nas mulheres, caso tomassem este fármaco após sofrerem um enfarte sem complicações posteriores, o risco de morte e de ter outro enfarte aumentava 45%.
Este estudo é, por isso, para a professora universitária, um “passo muitíssimo importante” para perceber se os medicamentos são “inúteis” e como podem “prejudicar ou não o sexo feminino”. “Neste momento, claramente, com a robustez deste trabalho, vê-se a necessidade de uma orientação diferente e da retirada do medicamento na maior parte dos doentes”.
Em Espanha, segundo os cálculos do cardiologista Borja Ibáñez ao El País, cerca de 1,2 milhões de pessoas estão a tomar diariamente um medicamento de forma inútil com a agravante de poderem sofrer efeitos secundários, que incluem fadiga, ritmo cardíaco lento e diminuição do desejo sexual.