Faz parte dos quadros do Ministério da Educação, Ciência e Inovação. Vinculou em Quadro de Zona Pedagógica no último concurso extraordinário, mas ficou excluído agora no concurso de mobilidade interna e não sabe bem porquê

É domingo, último dia de férias do professor Ângelo Teixeira. Completa hoje 38 anos e o dia devia ser de festa e com família e amigos reunidos. Mas este 31 de agosto é de incertezas e de angústias. Ângelo pertence aos quadros do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI), mas não sabe em que escola se deve apresentar amanhã, primeiro dia de setembro e primeiro dia de trabalho.

Ângelo Teixeira vinculou no último concurso externo extraordinário, em novembro de 2024. Foi colocado no Quadro de Zona Pedagógica (QZP) 46, que abrange as localidades de Almada, Seixal, Barreiro, Moita, Montijo, Alcochete, Palmela, Sesimbra e Setúbal. Enquanto professor vinculado de QZP, todos os anos é obrigado a concorrer ao concurso de mobilidade interna, que este ano decorreu entre 16 e 22 de julho. Nesse concurso deveria ter ficado colocado num dos agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas da zona abrangida pelo QZP 46. Quando saíram os resultados, a 14 de agosto, Ângelo nem queria acreditar: tinha ficado excluído.

A justificação apresentada é catalogada com o código M02. A legenda da Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE) diz que o M02 corresponde a “uma candidatura indevida, nesta opção de graduação”. Ângelo não percebe muito bem a justificação, nem as explicações que, entretanto, já procurou junto da própria DGAE. Mas depreende que estejam a alegar que concorreu na prioridade errada. “Eu não sou profissionalizado. Concorri na 3.ª prioridade, como era suposto para os docentes não profissionalizados. Liguei para a DGAE e disseram-me que concorri na 2.ª prioridade. Mas tenho provas de que o fiz na 3.ª e que fiz tudo direitinho”, garante.

“Tentei resolver através da DGAE. Disseram-me para contactar a escola onde estive colocado no último ano. Entre respostas da plataforma E72 e chamadas para a DGAE, passou o fim de semana. Na semana de 18 a 22, a escola estava com os serviços encerrados, ao abrigo daquela semana que Ministério permite que as escolas encerrem em agosto. Só voltei a insistir nesta semana que está a terminar. Ainda não tenho qualquer resposta oficial. Sou trabalhador do Estado, mas estou em terra de ninguém”, acrescenta.

Com o ensino a correr-lhe “nas veias”

Ângelo relutou em aceitar o que o destino lhe tinha reservado profissionalmente. Com a mãe professora, sabia bem “como o sistema trata os professores” e, apesar do ensino lhe “correr nas veias”, procurou seguir outros percursos. Tirou a licenciatura em Educação e Comunicação Multimedia, no Instituto Politécnico de Beja. Teve uma empresa ligada ao ramo automóvel e, só em 2019, decidiu ceder e concorrer nas ofertas de escola.

“Dizia sempre que não tinha paciência para ser professor. Atualmente, gosto de dar aulas. Tudo o resto… a burocracia e tudo o resto dispensava. Mas ensinar é desafiante. E ver alguém que não percebe nada do assunto conseguir realizar coisas divertidas e interessantes no final de um ano letivo é muito compensador”, justifica.

Nos últimos seis anos, deu aulas no Pinhal Novo, na Costa da Caparica e em Alcochete. Faz parte de um grupo de recrutamento onde há falta de professores – Informática. E, nos últimos seis anos, tem estado a dar aulas numa das zonas do país mais carenciadas de docentes. À luz destes factos, ainda lhe custa mais aceitar que esteja agora nesta situação.

“Sinto-me bastante frustrado, para ser sincero. Há falta de professores e parece que não existe a preocupação de colocar um professor que é necessário”, argumenta.

Emigrar para Angola

Ângelo não sabe como vai ser a vida daqui para a frente e, nas últimas duas semanas, tem traçado vários cenários. “Conheço um colega que, em tempos, esteve na mesma situação. Colocaram-no administrativamente numa escola, com horário zero e continuaram a pagar-lhe o salário. Mas ele era profissionalizado e eu não. Receio que me despeçam, alegando justa causa, porque, informalmente, fui informado que a minha licenciatura não está creditada para dar TIC [Tecnologias da Informação e da Comunicação). O que é estranho, porque exatamente o mesmo curso no Instituto Politécnico de Santarém já está. E, há seis anos que tenho vindo a concorrer e nunca me informaram disso. No concurso de vinculação extraordinária aceitaram a minha candidatura e não me disseram nada”, diz.

Para já, está impedido de concorrer a ofertas de escola ou reservas de recrutamento. Se acontecer o que teme, o despedimento por justa causa, fica sem direito a subsídio de desemprego. Não sabe como vai sustentar a família.

“Tenho duas filhas, uma de 12 e outra de seis anos. O salário da minha mulher não chega para sustentar a família. Por isso já coloquei todas as hipóteses. Sempre disse que, se fosse necessário, ia trabalhar para as obras ou arranjava emprego como TVDE. Por isso, se tiver de ser assim, assim será”, adianta.

Para já, Ângelo tem uma oferta de trabalho em Angola. Não quer ficar separado da família, mas também não quer que “elas passem necessidades”. “O trabalho não tem nada a ver com a minha área. Seria para responsável de logística numa multinacional. Não quero ficar longe delas. Mas, se tiver de ser…”, revela.

Para já, ainda não procurou apoio jurídico ou sindical. Mas não coloca de parte a hipótese de o vir a fazer.

O “balão de oxigénio para as escolas”

Por um motivo ou outro, há vários professores em situação semelhante à de Ângelo. “Se formos ver as listas todas, seria um balão de oxigénio, para o Ministério e para as escolas todos os professores que eram vinculados e que ficaram excluídos neste concurso da mobilidade interna”, garante.

No seu caso, que dava aulas desde o 1.º ao 3.º ciclo e tinha “centenas de alunos”, são “centenas de alunos podiam ter professor já no início do ano letivo e não vão ter”. “Isto deixa-me angustiado tanto enquanto professor e enquanto pai. Tenho filhas em idade escolar e também elas correm o risco de começar o ano letivo com falta de professores”, acrescenta.

A CNN Portugal contactou o MECI, na procura de explicações para a situação do professor Ângelo. Quisemos saber qual o motivo concreto da exclusão, o que vai acontecer a Ângelo Teixeira já amanhã e se corre o risco de ser despedido ou vai continuar a auferir salário. Quisemos ainda saber se é possível apurar quantos docentes, a nível nacional, estão nas mesmas circunstâncias do professor Ângelo (vinculados em QZP, mas excluídos da mobilidade interna). E quisemos ainda saber se é possível apurar quantos docentes vincularam no último concurso, sem profissionalização e sem terem qualquer tempo de serviço, foram aceites agora na mobilidade interna. Recorde-se que no concurso externo de vinculação, em novembro, entraram para os quadros do MECI 174 docentes que não eram profissionalizados e nunca tinham dado aulas na vida.

Até ao momento da publicação deste artigo, não houve resposta por parte do ministério.