Num país em que mais de metade da população adulta tem excesso de peso ou mesmo obesidade, a que se deve esta prevalência? Maus hábitos alimentares, sedentarismo, escolhas pessoais erradas a que se juntam fatores de stress, ansiedade e má saúde mental em geral têm sido fatores amplamente reiterados por especialistas e autoridades de saúde.

O que se apresenta quase como uma complicação de cada um – apontando tantas vezes o problema a quem come de mais e se mexe de menos -, tem vindo a tornar-se uma indiscutível matéria de saúde pública nacional e mundial. “Não basta dizer às pessoas para comerem melhor e fazerem mais exercício. É preciso criar condições para que a escolha mais fácil seja também a mais saudável”, considera a nutricionista Beatriz Vieira.

A especialista defende que o ecossistema “que facilita comportamentos pouco saudáveis e torna difícil a adoção de estilos de vida equilibrados” contribui para a criação de um “ambiente obesogénico”, ou seja, condições de vida que promovem o ganho de peso. Entre os fatores, a também coordenadora da unidade de nutrição clínica do Hospital Lusíadas, na Amadora, elenca as “cidades desenhadas para os carros em vez das pessoas, bairros sem espaços verdes ou ciclovias, supermercados repletos de alimentos muito calóricos e pobres em nutrientes, além da publicidade constante a alimentos ricos em açúcar, sal e gordura”.

Beatriz Vieira acrescenta à lista de “armadilhas do dia a dia”, que integram o ambiente obesogénico, o “contexto económico e social, que pesam – e muito”. “Famílias com menos recursos têm maior dificuldade em aceder a alimentos frescos e nutritivos, vivem muitas vezes em zonas com menos infraestruturas saudáveis e enfrentam níveis mais elevados de stress e insegurança. Tudo isto favorece o ganho de peso”, aponta a especialista em resposta por escrito à Delas.pt. Listagem a que adiciona ainda “o marketing: televisões, redes sociais e até as escolas são inundadas por publicidade a produtos ricos em açúcar, sal e gordura”. “É um bombardeamento constante, que influencia comportamentos desde a infância”, atira.

Para a nutricionista, a forma de inverter o rumo passa por ter “escolas mais saudáveis”, com limitação “da oferta de refrigerantes e snacks” e promoção de “atividades físicas, em que as crianças passam a ter rotinas mais equilibradas”. Pede cidades com mais “ciclovias, parques e passeios convidativos”, que promovem maior prática de exercício físico, e “políticas públicas mais eficazes”, onde inscreve a medida que definiu um imposto sobre bebidas açucaradas. Por fim, Beatriz Vieira advoga a introdução de medidas em família e nas comunidades como forma de contrariarem a pressão externa, com “refeições partilhadas, menos tempo de ecrã e o exemplo dado em casa”.

Quatro em cada dez portugueses com mais de 18 anos é obeso

Recorde-se que, segundo dados divulgados a 4 de março deste ano, a propósito do Dia Mundial da Obesidade, o Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou que, em 2022, o excesso de peso afetava 37,3% da população com mais de 18 anos e a obesidade 15,9%. Somados os dois critérios, estava-se diante de uma realidade que tocava a maioria da população nacional.

“A prevalência de obesidade era semelhante para ambos os sexos e afetava sobretudo as pessoas a partir dos 45 anos (19,3%), bem como a população com escolaridade até ao ensino básico (21,5%)”, sublinhou nota pública emitida pelo instituto.

Segundo os mesmos dados, a população com obesidade avaliava o seu estado de saúde como desfavorável com maior frequência (21,6%) do que a restante (13,2%), apresentando também mais dificuldade em caminhar ou subir escadas sem ajuda e em assegurar os cuidados pessoais. Mais de metade (60%) da população adulta com obesidade sofria de doença crónica ou problema de saúde prolongado.

Uma em cada três crianças no mundo arrisca ser obesa em 2050

A prevalência da doença nas crianças tem mostrado uma rota de crescimento, com a pandemia a colaborar nesta tendência. Entre 2019 e 2022 foi registado um aumento de 2,2% na prevalência de excesso de peso infantil, passando de 29,7% para 31,9%, e de 1,6% na obesidade infantil, de 11,9% para 13,5%, segundo o último estudo Childhood Obesity Surveillance Initiative (COSI), da Organização Mundial da Saúde/Europa, coordenado em Portugal pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge.

As notícias para o futuro não são animadoras. Em maio deste ano, a revista científica The Lancet estimou que dentro de 25 anos, em 2050, uma em cada três crianças poderá ser obesa, apontando para 360 milhões de pessoas) ou ter excesso de peso (358 milhões).