Se o analista da CRU e a S&P Global se mostram pouco otimistas em relação à capacidade das mineiras de acompanharem minimamente o crescimento da procura, Luís Martins lembra que “o ouro tem estado, nos últimos meses, em valores históricos, e quando é assim é inevitável que isso aumente o investimento que existe na procura de novos depósitos”. Contudo, “o aumento do preço do ouro só acelerou a partir de fevereiro de 2024 e ainda não houve tempo, pese embora já estejam a ser feitos mais investimentos, para descobrir novos depósitos viáveis”.
“Demora muito tempo colocar uma nova mina em produção, por vezes até 15 anos, pelo que ainda não houve tempo para que os investimentos recentes, desencadeados por esta subida do preço, venham à tona, no sentido de trazer nova produção para o mercado”, reforça Luís Martins, lembrando os custos (e a demora) com prospeção, licenciamentos, construção das minas, entre outros fatores.
Além do trabalho na Cluster Portugal Mineral Resources, o especialista está envolvido, neste momento, com uma empresa canadiana que tem vários projetos em todo o mundo – sobretudo um de grande dimensão no Nevada (EUA). E, a partir desse trabalho e do contacto com esses projetos, ganhou uma visão mais positiva sobre o dinamismo deste setor.
Em Portugal não se explora ouro desde 1992. “Estamos a perder uma grande oportunidade”
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Os romanos “exploraram intensivamente ouro na Península Ibérica – eles sabiam que aqui havia condições para que se formasse ouro”, diz Luís Martins. “Mas hoje, infelizmente, não existe exploração aurífera relevante em Portugal há mais de 30 anos”, lamenta.
A mina de Jales, em Vila Pouca de Aguiar, foi encerrada em 1992 e, desde então, houve apenas algumas tentativas de lançamento de projetos que não tiveram sucesso. Mas essa falta de sucesso não se deve à falta de ouro mas, sim, à “falta de vontade política”, garante o presidente do Cluster dos Recursos Minerais de Portugal.
“Há vários locais em Portugal onde existem recursos definidos que poderiam ser transformados rapidamente em minas – a mina de Jales encerrou não porque as reservas tenham acabado mas por falta de tecnologia” (que, entretanto, deu um enorme salto). “Não tenho dúvidas de que hoje, a estes preços e com a tecnologia que existe, seriam viáveis” essa e outras explorações, afirma.
“Estamos a perder uma grande oportunidade de darmos alguma riqueza adicional ao país”, diz o especialista que, na segunda metade da década passada, esteve envolvido num projeto da canadiana Colt Resources no Alentejo (Montemor-o-Novo). Esse foi um projeto ambicioso que, subitamente “morreu na praia devido à oposição das autarquias e à decisão política de não avançar, sendo que o governo central também nunca deu um apoio claro ao projeto”.
Perceções à parte, os dados mostram que a China, um dos maiores produtores, parece estar a acelerar a produção de ouro a cada ano. E nos EUA, quinto maior produtor, também existe algum otimismo: a eleição de Trump nos EUA pode reduzir a carga regulatória de uma forma importante para as mineiras e para os investidores, destacou o analista da CRU Oliver Blagden. É certo que no primeiro mandato de Trump não houve um grande aumento na produção mas o facto de o republicano ter tido, desta vez, uma vitória eleitoral mais robusta e o facto de os preços do ouro estarem, agora, num nível mais elevado dá alguma confiança ao analista de que a produção pode aumentar mais.
Na Austrália, país que neste momento se acredita ter as maiores reservas de ouro do mundo, são extraídas cerca de 300 toneladas de ouro a cada ano. Na pandemia e nos anos seguintes a produção caiu um pouco, com sinais de esgotamento em algumas minas e descobertas com teores mais baixos – isto é, obrigando a destruir cada vez mais toneladas de pedra para se conseguir extrair o ouro. Mas, mais recentemente, a Austrália tem conseguido manter níveis robustos de produção em algumas das principais minas.
Já na Rússia, o potencial é imenso, sobretudo na Sibéria e no extremo-leste (a mina Olimpiada é uma das maiores do mundo). O peso das sanções do Ocidente tem complicado a chegada das 300-330 toneladas produzidas (anualmente) ao mercado, mas as ligações russas com os mercados asiáticos (sobretudo a China) tem permitido escoar quase toda a produção e manter o setor financeiramente saudável – ainda mais agora, com os preços em recorde.
Em outros locais, as notícias não são tão animadoras. Em várias partes de África, por exemplo, tem havido uma tendência crescente para a nacionalização de recursos, em países como o Mali e o Burkina Faso. “Isto é um enorme risco para os investidores“, diz Oliver Blagden, recomendando às empresas mineiras que não deixem de investir na produção de ouro, sob pena de a viabilidade desta indústria ficar comprometida, a prazo, se os investidores desistirem devido aos riscos políticos e económicos que existem em várias geografias importantes.
Na África do Sul, em tempos o maior produtor mundial de ouro, registou-se um autêntico colapso da produção nos últimos 30 anos, devido ao esgotamento e envelhecimento de várias minas importantes, custos elevados e eletricidade cara e inacessível. Hoje em dia produzem-se na África do Sul apenas 100 toneladas por ano, em média, uma fração do que se costumava produzir no passado.
No Peru, um dos países com maiores reservas mundiais, a produção tem estagnado sobretudo devido a constrangimentos ambientais e no México está a extrair-se cada vez menos ouro devido à falta de investimento e problemas de segurança.
No ouro, o equilíbrio fundamental – isto é, ligado ao jogo entre oferta e procura – não é a chave para determinar o preço, daí que seja difícil perspetivar o que é que um eventual “pico do ouro” irá fazer aos preços.
A cotação do ouro é muito influenciada por desenvolvimentos macroeconómicos e por tendências dos investidores, que determinam os níveis de procura em cada momento. E, nesta fase, embora a procura industrial (sobretudo na joalharia) esteja a ser um pouco penalizada pelos preços mais elevados, o apetite pelo ouro como investimento está a crescer sem dar tréguas.
Ao contrário da valorização registada no início da década de 2010 – que, mesmo assim, não foi tão fulgurante como a dos últimos anos – a valorização recente do metal precioso não é justificada por um receio de inflação descontrolada mas, sim, por evidências sólidas de que os bancos centrais mundiais estão a comprar cada vez mais ouro. Os bancos centrais são os principais acumuladores de ouro, fazendo-o para sustentar o valor das moedas que emitem e diversificar os ativos de reserva.
De acordo com o World Gold Council, os bancos centrais mundiais aumentaram as suas reservas de ouro num total de 1.045 toneladas em 2024, no que terá sido o terceiro ano consecutivo com um valor de compras superior a 1.000 toneladas.
Em 2025, o ritmo não parece estar a abrandar, com cerca de 244 toneladas em novas compras por parte dos bancos centrais só no primeiro trimestre, liderados pela Polónia (que tem moeda própria, o zloty, e vive em algum sobressalto devido à proximidade geográfica face à Rússia) e pela China. Outros países como a Índia e a Turquia também estão a comprar mais, num esforço de diversificação de reservas num contexto de dúvidas em relação ao dólar norte-americano.
Risco de tarifas de Trump assustou mercado do ouro – até Presidente vir garantir que “o ouro não será tarifado!”
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No início de agosto, a autoridade alfandegária dos EUA (a US Customs and Border Protection, ou CBP) criou grande alvoroço no mercado de ouro quando indicou que as barras de ouro de 1 quilo (cerca de 35 onças) e de 2,8 quilos (100 onças) — formatos muito usados no mercado internacional — poderiam ficar sujeitas a tarifas de 39% nas importações provenientes da Suíça. O anúncio apanhou de surpresa os mercados financeiros, gerando uma subida repentina nas cotações dos contratos futuros de ouro e perturbou, também, as entregas no “terreno”.
O esclarecimento da CBP dizia respeito apenas às importações de ouro da Suíça, que é o maior centro de refinação e exportação do metal precioso no mundo. Mas apesar de outros países fornecedores (como Canadá ou Austrália) não estarem abrangidos, seriam inevitáveis as repercussões globais dada a centralidade da Suíça neste mercado – tal tarifa poderia afetar liquidez, preços e fluxos de abastecimento.
Perante a instabilidade gerada, Donald Trump veio esclarecer – pelo meio oficial habitual, isto é, a sua rede Truth Social – que “o ouro não será tarifado!”. A mensagem provocou um alívio imediato nas cotações e a Casa Branca acabou por anunciar que seria emitida uma ordem executiva para “esclarecer a desinformação” e dissipar dúvidas sobre a eventual aplicação de tarifas.
Perante esta procura por parte dos bancos centrais, extensível aos investidores em barras físicas ou em instrumentos financeiros indexados ao ouro, o organismo oficial norte-americano US Geological Survey (USGS) estima que as reservas mundiais ascendem neste momento, provavelmente, a 64 mil toneladas. Isso significa que, numa hipotética ausência de novas descobertas, só restariam 19 anos de produção (ao ritmo atual).
Depois desse momento, que pode ser adiado se o investimento e a exploração acelerarem, mais do que um “pico do ouro” poderia falar-se num esgotamento da nova produção de ouro no mundo.
Enquanto os mercados pesam todas estas variáveis, os preços continuam em máximos históricos. Nesta quarta-feira, o preço do ouro ascendeu aos 3.390 dólares (perto de 2.918 euros) por onça, mantendo-se muito perto dos máximos históricos acima dos 3.400 dólares fixados nas últimas semanas.
“O metal precioso tem vindo a ganhar terreno desde que Jerome Powell deu a entender, na semana passada, que cortes nas taxas de juro poderão estar no horizonte”, afirmou Ricardo Evangelista, CEO da ActivTrades Europe, numa nota de análise em que debruça sobre a política da Reserva Federal (Fed), o banco central dos EUA.
A pressão feita por Donald Trump sobre o banco central norte-americano, de várias formas, está a colocar em causa “a credibilidade da maior economia do mundo, pressionando o dólar e resultando em perdas face a outras moedas de referência, o que, por sua vez, sustentou o ouro, devido à correlação inversa entre os dois ativos”, acrescenta Ricardo Evangelista. E “com a possibilidade crescente de um corte nas taxas já em setembro, dúvidas quanto à independência da Fed a longo prazo e um enquadramento económico incerto, marcado por tensões comerciais e receios de um regresso da inflação, permanece a expectativa de que os preços do ouro possam registar ganhos adicionais“, aposta o especialista da ActivTrades.
O banco suíço UBS aumentou, há poucos dias, o preço-alvo do ouro para 3.600 por onça, mais 100 dólares do que a anterior previsão, num horizonte até março de 2026 – uma subida que deve continuar, depois, para os 3.700 dólares (até junho do próximo ano). Outro banco influente, o Goldman Sachs também melhorou a sua previsão para a subida dos preços do ouro e admitiu que, num cenário extremo (de baixa probabilidade), o metal precioso pode escalar até aos 4.500 dólares por onça, nos próximos 12 meses.