Cientistas britânicos podem ter dado um passo importante para responder a uma das questões mais antigas da biologia: como as primeiras proteínas surgiram na Terra primitiva. Um estudo publicado na quarta-feira (27) na revista Nature descreve um processo químico simples que poderia ter permitido que moléculas de RNA e aminoácidos se combinassem para formar proteínas — essenciais para praticamente todas as funções celulares.
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O dilema sobre a origem das proteínas lembra o clássico enigma do ovo e da galinha: células não poderiam existir sem proteínas, mas essas moléculas só se formam dentro das células, seguindo instruções do RNA. “Conseguimos a primeira parte deste processo complexo, usando uma química muito simples em água a pH neutro para anexar aminoácidos ao RNA”, disse Matthew Powner, químico da University College London e coautor do estudo. “A química é espontânea, seletiva e poderia ter ocorrido na Terra primitiva.”
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Como aminoácidos e RNA podem se unir sozinhos
No experimento, os pesquisadores focaram na pantetina, uma molécula já conhecida por seu papel no metabolismo. Misturada a aminoácidos em água, a pantetina formou uma substância chamada aminoaciltiol, que se combinou com o RNA para iniciar a transferência de aminoácidos — o primeiro passo para a construção de proteínas. Segundo Powner, “se você tem aminoácidos, moléculas de RNA e tiois — moléculas de enxofre — é quase inevitável que esse tipo de processo possa acontecer”.
As condições necessárias para essa reação — água em pH neutro e concentrações de aminoácidos e pantetina — provavelmente existiam em lagos e piscinas da Terra há cerca de 4 bilhões de anos, reforçando a ideia de que a vida pode ter surgido em ambientes de água doce antes de se espalhar pelos oceanos.
Embora o estudo represente um avanço significativo, especialistas ressaltam limitações. Nick Lane, químico da UCL, aponta que as cadeias de aminoácidos produzidas no laboratório são caóticas e aleatórias, diferentes das proteínas organizadas que surgem nos ribossomos. Além disso, a pantetina não estaria disponível em quantidades suficientes nos oceanos primordiais, limitando a ocorrência do processo a corpos de água menores.
Ainda assim, a pesquisa abre novas possibilidades sobre a origem da vida e fornece pistas para a busca de organismos em outros planetas. Aaron Goldman, biólogo do Oberlin College, ressalta que o estudo identifica uma química intrigante que poderia ter sido um precursor da síntese de proteínas, “uma das características mais antigas da biologia molecular ainda presentes em nossas células hoje”.
Com bilhões de anos de interações químicas aleatórias, essas descobertas sugerem que a vida organizada poderia ter emergido naturalmente a partir de processos simples, lançando luz sobre como tudo começou — e talvez apontando caminhos para descobrir vida além da Terra.