Como sabemos, é raro um meteorito de Marte atingir a superfície da terra. Mais raro ainda é que este seja encontrado e leiloado. Mas foi isso que aconteceu na semana passada. O meteorito que ficou conhecido como «o maior pedaço de Marte na Terra» foi vendido na quarta-feira, 16 de julho, em leilão por 5,3 milhões de dólares (cerca de 4,6 milhões de euros), acabando por bater as estimativas da leiloeira Sotheby’s de Nova Iorque – esta previa que o pedaço de rocha fosse vendido por um máximo de 4 milhões de dólares (3,4 milhões de euros). «Pedaços de Marte são incrivelmente raros: dos mais de 77 mil meteoritos oficialmente reconhecidos, apenas 400 são meteoritos marcianos, com um peso combinado aproximado de 374 kg. Com 24,67 kg, o NWA 16788 representa aproximadamente 6,5% de todo o material marciano atualmente conhecido», adianta a casa de leilões no seu site oficial.
«Este meteorito marciano é, de longe, o maior pedaço de Marte que já encontramos», disse Cassandra Hatton, vice-presidente de ciência e história natural da Sotheby’s, numa entrevista antes do leilão, citada pelo The Guardian. «Portanto, é mais que o dobro do tamanho do que pensávamos ser o maior pedaço de Marte», reforçou. «As chances de ele chegar até aqui são astronomicamente pequenas (…) Lembrem-se de que aproximadamente 70% da superfície da Terra é coberta por água. Por isso, tivemos muita sorte de ter caído em terra firme, em vez de no meio do oceano», recordou.
Uma descoberta milagrosa
O meteorito foi descoberto em novembro de 2023 por um caçador de meteoritos profissional na região de Agadez, no Níger. Segundo a imprensa internacional, este terá percorrido cerca de 225 milhões de quilómetros até chegar à Terra e foi lançado da crosta do planeta vermelho depois de uma colisão catastrófica com um asteroide, «capaz de ejetar rochas para além da atmosfera e da gravidade marcianas», explicam os especialistas. Hatton adiantou ainda que um laboratório especializado examinou um pequeno pedaço deste meteorito e confirmou que era de Marte. «As pessoas de lá já sabiam que era algo especial», lembrou Cassandra Hatton. «Só quando chegou ao laboratório e os pedaços foram testados é que percebemos: ‘Meu Deus, é marciano’. Quando os resultados chegaram, comparámos e vimos: ‘Não é apenas marciano, é o maior pedaço de Marte do planeta!», acrescentou, afirmando ainda que a composição química foi comparada com a dos meteoritos marcianos descobertos durante o pouso da sonda Viking em Marte, em 1976.
Segundo James Hyslop, diretor do departamento de História Natural da Sotheby’s e especialista em ciências naturais, «estamos perante uma peça absolutamente única». Em comunicado, o especialista frisou que o impacto que originou a ejeção foi tão violento que «transformou minerais em vidro», um fenómeno visível na estrutura interna da rocha. De acordo com Hyslop, este tipo de eventos «só ocorre em circunstâncias extremamente raras».
Após ser lançado ao espaço, o fragmento terá vagueado durante milhares ou mesmo milhões de anos, até ser captado pela gravidade terrestre, acabando por cair numa das regiões mais áridas do globo – o deserto do Saara. O clima seco e isolado de Agadez «ajudou a preservar o meteorito em excelentes condições», garantiu o especialista.
Hyslop detalhou que a autenticidade e origem marciana do NWA 16788 foram confirmadas por análise mineralógica: «A composição da rocha, rica em olivinas e piroxenas, coincide com as amostras estudadas pelas sondas robóticas enviadas a Marte nas últimas décadas», elucidou. A designação «NWA» refere-se a «Northwest Africa», prefixo comum dado a meteoritos encontrados nesta parte do continente africano.
A raridade, o estado de preservação e a origem confirmada tornam-no «um pedaço literal de outro mundo», garantiu Hyslop. «A sua raridade, estado de conservação e proveniência conferem-lhe um valor científico e histórico imensurável», referiu o especialista. Assim como seu planeta-mãe, NWA 16788 tem uma tonalidade nitidamente avermelhada, bem como sinais de crosta de fusão devido à sua descida violenta pela atmosfera da Terra. Escreve a casa de leilões americana que o pedaço de rocha apresenta «intemperismo terrestre mínimo», indicando que a sua composição física e química «não foi significativamente alterada desde a sua chegada ao Deserto do Saara». Em outras palavras, o NWA 16788 é provavelmente um recém-chegado à Terra, tendo caído do espaço sideral há relativamente pouco tempo.
«Esta não é apenas uma descoberta milagrosa, mas um enorme conjunto de dados que pode nos ajudar a desvendar os segredos do nosso vizinho, o planeta vermelho», disse ainda Hatton.
Antes de ir a leilão na Sotheby’s, a rocha esteve numa exposição pública na Agência Espacial Italiana, em Roma, durante a Noite Europeia dos Investigadores de 2024, e numa galeria privada em Arezzo, Toscana. Não se sabe quem é o atual proprietário e se a rocha marciana estará numa coleção pública ou privada.