Peça estratégica no xadrez de guerra, esta cidade está em cima de importantes reservas
Durante meses, a cidade de Pokrovsk, no leste da Ucrânia, tornou-se um símbolo de resistência. Com uma população outrora superior a 60 mil habitantes, agora reduzida a algumas centenas, Pokrovsk resistiu à ofensiva russa com engenho, sacrifício e um exército de pequenos drones. Mas a pressão está a aumentar. Pela primeira vez, as tropas russas conseguiram entrar na cidade, segundo vídeos divulgados por canais do Telegram e geolocalizados por agências independentes.
Pokrovsk é uma peça estratégica neste xadrez de guerra. Localiza-se sobre reservas valiosas de carvão metalúrgico e, até recentemente, era uma rota essencial para o abastecimento das forças ucranianas na linha da frente. Mas a sua importância vai além da logística. É um baluarte na defesa de Donetsk, região que Moscovo procura controlar totalmente. É também a frente mais ativa na guerra, com 111 mil soldados russos reunidos na retaguarda para a ofensiva de verão, de acordo com o principal comandante militar ucraniano, Oleksandr Syrskyi, ouvido pela Reuters.
No entanto, Syrskyi afirma que as tropas ucranianas têm conseguido atrasar o avanço inimigo através de drones de vigilância e ataque, minas terrestres e unidades altamente treinadas. “Eles não paravam de tentar avançar, mas conseguíamos travá-los bem”, afirma um soldado ucraniano com o nome de guerra Vogak.
Esses pequenos drones, muitas vezes controlados por soldados com óculos de realidade virtual, tornam-se armas letais. Transportam explosivos e caçam alvos com precisão cirúrgica. “São o pesadelo dos soldados russos. Dizem-nos que é o que mais os assusta e o que mais veem nos sonhos, ou melhor, nos pesadelos”, explica Serhii Filimonov, comandante do batalhão “Lobos de Da Vinci”.
Segundo relatos de prisioneiros russos capturados por unidades ucranianas, as táticas são brutais e impiedosas: pequenos grupos de assalto são enviados com um destino marcado num telemóvel. Se não conseguirem, são substituídos por outro grupo. Muitos caminham dezenas de quilómetros para evitar detecção pelos drones, enquanto alguns recorrem a motas para escapar mais rapidamente aos ataques aéreos.
A nova arma russa: drones com cabo de fibra
No entanto, Moscovo também tem adaptado a sua estratégia. Inspirando-se nas operações no norte, na região de Kursk, as forças russas introduziram drones ligados por cabos de fibra ótica, uma tecnologia que torna os aparelhos imunes às interferências eletrónicas usadas por Kiev.
“Estes drones podem operar até 25 quilómetros atrás da linha da frente e são difíceis de neutralizar”, afirma Roman Pohorilyi, fundador do grupo de investigação ucraniano DeepState. A Rússia possui uma quantidade significativamente maior destes aparelhos do que a Ucrânia, o que lhe oferece uma vantagem táctica considerável.
Em maio, os russos tomaram controlo de uma estrada estratégica que liga Pokrovsk a Kostiantynivka, outra cidade-fortaleza. Desde então, os avanços, embora lentos, têm-se intensificado. Nos últimos dias, tem sido cada vez mais difícil entregar alimentos à cidade, estando os supermercados em risco de fechar, de acordo com o chefe da administração militar local.
Apesar das dificuldades logísticas, da perda de posições e da superioridade numérica russa, Pokrovsk resiste. A cidade, hoje praticamente destruída, continua a ser uma peça-chave no tabuleiro. Se cair, poderá abrir caminho para novas ofensivas russas no leste da Ucrânia.
Desde janeiro, o general ucraniano Mykhaylo Drapatyi assumiu o controlo direto da frente de Pokrovsk, depois de ter travado uma ofensiva russa em Kharkiv. Os analistas acreditam que a sua liderança trouxe um novo fôlego à defesa da cidade.
Mas a guerra transforma-se rapidamente. Em junho, a Ucrânia sofreu as suas maiores perdas territoriais de 2025, com mais de um quarto dos avanços russos concentrados em torno de Pokrovsk, segundo estimativas do site DeepState.
Apesar disso, a moral dos defensores mantém-se. “A Rússia continua a encontrar novas vítimas para lançar para a fornalha. Mas nós continuamos aqui. E resistimos”, conclui Filimonov.
Relatos recolhidos por agências internacionais revelam que o Kremlin tem enviado para a frente soldados com pouca ou nenhuma formação, incluindo presos libertados para combater. Um dos casos descritos envolve um soldado ferido que mal conseguia andar e acabou desaparecido em combate. Outro, após apenas uma semana de treino, foi enviado diretamente para Pokrovsk e nunca mais foi visto.
Em muitos casos, as famílias só souberam da morte dos seus entes queridos meses depois, e por vezes apenas após longas buscas e tentativas de contacto. A dor mistura-se com a indignação: soldados feridos, enganados por promessas de missões longe do combate, acabam enviados diretamente para o coração da guerra.