Euromaster

Um movimento de extrema-direita, a Russkaya Obshchina (Comunidade Russa), tem ganho protagonismo em diversas cidades russas ao assumir patrulhas voluntárias e ações de manutenção da ordem pública, num contexto marcado pela guerra na Ucrânia e pela escassez de polícias.

Em parques e bairros periféricos, é cada vez mais comum ver homens vestidos de negro, alguns armados com pistolas e coletes antibala, a patrulhar ruas e espaços públicos. Muitos exibem símbolos com a silhueta de Aleksandr Nevski, príncipe medieval russo que se tornou emblema do grupo.

“Quero lei e ordem no nosso país”, declarou um membro na casa dos 30 anos, que preferiu não se identificar. “Muitos homens foram para a guerra, assim a Russkaya Obshchina foi criada para manter a ordem aqui”, acrescentou.

À frente das patrulhas locais está Sergey Ognerubov, comandante da estrutura voluntária que coopera com a polícia. “Vivemos num Estado de direito. Se querem fazer estas coisas, têm de respeitar a lei”, recorda, explicando que, após verificar a presença de ativistas do grupo no bairro, decidiu integrá-los formalmente após um período de prova.

A Russkaya Obshchina foi fundada em 2020 por Evgeny Chesnokov, ativista antiaborto, Andrey Tkachuk, ex-vice-presidente do conselho municipal de Omsk, e Andrey Afanasyev, jornalista. O grupo afirma ter como objetivo “unir o povo russo” — utilizando o termo russky, referente aos russos étnicos, em vez de rossiysky, que abrange todos os cidadãos da Federação Russa — e promover a “ajuda mútua”.

A organização conta atualmente com cerca de 150 seções em todo o país e milhões de seguidores nas redes sociais, onde divulga propaganda anti-imigração e antiaborto, além de angariar fundos para apoiar o exército russo na Ucrânia. Também lançou uma aplicação que permite pedir auxílio a membros próximos em situações de emergência.

Desde o início da invasão em larga escala da Ucrânia, em 2022, o grupo tem ganho relevo. Muitos agentes da polícia abandonaram os seus postos para combater no campo de batalha, onde os salários são significativamente mais elevados. Em março deste ano, segundo dados oficiais, havia mais de 172 mil vagas por preencher no Ministério do Interior, e em 2024 metade dos polícias de bairro experientes se demitiu.

Num cenário de falta de efetivos, a Russkaya Obshchina assumiu um papel central em patrulhas de rua e em operações contra migrantes irregulares, o que levanta preocupações entre observadores.

Ideologia e discurso antimigrante
O grupo apresenta-se como defensor de “valores tradicionais russos” e do cristianismo ortodoxo. “Qualquer pessoa que seja russa na alma e queira contribuir é bem-vinda”, afirma Sergey Zudnev, ativista responsável por reunir membros para a missa semanal.

O discurso antimigrante, contudo, é uma das marcas mais fortes da organização. “A população tem medo de sair para centros comerciais e bairros com elevada concentração de migrantes”, afirmou Andrey Tkachuk, um dos fundadores, em entrevista telefónica, associando imigração a criminalidade.

Alguns críticos, porém, acusam o grupo de incitar ao ódio étnico. O ombudsman da República da Chechénia, Mansur Soltaev, denunciou que membros da Russkaya Obshchina terão parado cidadãos de aparência não eslava para verificar documentos. Já Ahmed Dudaev, assessor do líder checheno Ramzán Kadírov, foi mais longe e classificou-os como “nazis” após incidentes com crianças chechenas.

Historicamente, os movimentos de extrema-direita na Rússia tiveram uma relação tensa com o Kremlin, chegando a integrar protestos de oposição no início da década de 2010. Contudo, a situação mudou após a revolução ucraniana de 2014 e, sobretudo, depois da invasão de 2022.

Segundo a investigadora Vera Alperovich, do Centro Sova — ONG que monitoriza nacionalismo e xenofobia na Rússia —, a Russkaya Obshchina tornou-se “útil ao governo” ao integrar veteranos de guerra e canalizar energias para apoiar a narrativa oficial. “As autoridades precisam de um movimento vindo de baixo para mostrar: ‘Vejam, o povo apoia-nos’”, explicou.

De acordo com o meio opositor Meduza, a organização está sob supervisão direta do Serviço Federal de Segurança (FSB).

Apesar da proximidade com as autoridades, a atuação do grupo nem sempre fica dentro dos limites da legalidade. Em maio, um confronto entre militantes da Russkaya Obshchina e residentes de um prédio em Vsevolozhsk, perto de São Petersburgo, terminou num incêndio que matou um homem e feriu uma mulher. Em outro caso, três membros foram detidos por sequestrar e torturar um homem num bosque, embora a organização tenha alegado que ainda estavam “em período de prova”.

Mesmo assim, Ognerubov relativiza: “O nazismo está proibido na Rússia. Se fossem nazis, teriam sido banidos imediatamente”.

Com o regresso esperado de milhares de veteranos da guerra, prevê-se que a Russkaya Obshchina continue a crescer. “Quem volta sofre traumas psicológicos que se manifestam como uma necessidade de procurar justiça. As patrulhas dar-lhes-ão essa oportunidade”, afirmou Ognerubov.

Num vídeo gravado no campo de batalha, um combatente mascarado, com uma bandeira do movimento ao fundo, deixou uma mensagem clara: “Assim que terminarmos de lutar aqui, voltaremos e continuaremos a restabelecer a ordem em São Petersburgo. Glória à Rússia!”.