Para Alice dos Reis, a tapeçaria é um lugar muito meditativo”, permite “deixar a mão ir, deixar a peça acontecer”. No entanto, aponta, há um ponto de ligação entre a tapeçaria e o filme. “A nível conceptual há uma lógica que aproxima bastante a tapeçaria ao cinema, ou à imagem em movimento. Eu penso de forma narrativa. Uma coisa que eu aprendi sobre mim própria é que não consigo pensar de forma abstrata, é muito difícil. Penso em histórias, em inícios, meios, fins, ciclos.

E tanto a tapeçaria como o cinema permitem-lhe contar histórias. “Nos filmes eu consigo trazer narrativas que se concretizam de forma mais linear. E fazer tapeçarias à medida que vou fazendo estes filmes, permite-me trazer personagens e imagens que potenciam as histórias dos filmes, mas não de forma direta ou tão linear.”

A base narrativa da sua produção artística, diz Alice dos Reis, é bem visível na obra que lhe valeu o Prémio Novos Artistas Fundação EDP. “Quem for ver o meu trabalho no MAAT vai sentir isso, porque é mesmo sobre ciclos, sobre narrativas que se repetem ou que se acumulam. E a tapeçaria também é tradicionalmente um medium narrativo. Se formos ver as tapeçarias do século XIII em França, temos a tapeçaria de Bayeux, que são 70 metros de batalhas francesas .”

Neste momento, adianta a jovem artista, está a trabalhar numa sequência de tapeçarias de médio formato e a escrever um guião para um novo filme. Não necessariamente relacionados”.

A faceta de realizadora – as suas películas já foram exibidas em festivais de cinema como o IndieLisboa, DocLisboa, Curtas Vila do Conde e Sheffield DocFest– é para continuar. “Sim, tenho essa ambição. Eu faço filmes que funcionam tanto em contextos de arte contemporânea como do cinema. Tal como outros realizadores – temos vários exemplos emPortugal – vamos tocando nestes dois mundos, que se vão diluindo cada vez mais.”

Alice dos Reis vive e trabalha fora de Portugal há alguns anos e não se vê a regressar, mas diz que o seu trabalho tem sido reconhecido no país, tendo exposto no Museu de Arte Contemporânea de Serralves e em galerias em Lisboa e Porto. Em 2019 foi a vencedora do Prémio Novo Banco Revelação e agora o Prémio Novos Artistas Fundação EDP vem contribuir ainda mais para essa afirmação. Trata-se de um prémio ganho em edições anteriores por artistas que hoje são consagrados a nível nacional e internacional, como Joana Vasconcelos – que ganhou a primeira edição, em 2000 – Carlos Bunga (2003) ou Diana Policarpo (2019).

“Este prémio é muito significativo, é um prémio que já é histórico. Permite-me continuar essa ligação com Portugal, sempre foi uma ambição do meu percurso enquanto artista portuguesa. Sinto-me muito afortunada. Apesar de tudo, o meu trabalho tem sido sempre bem recebido em Portugal e eu tenho tido oportunidades.”

À 15ª edição do prémio da Fundação EDP, que é bienal, concorreram mais de 800 novos artistas. Após um processo de seleção, foram escolhidos seis finalistas. Além de Alice dos Reis, chegaram à fase final Evy Jokhova, Francisco Trêpa, Inês Brites, Maja Escher e Sara Chang Yan. A obra Entre Vidas de Alice dos Reis foi a preferida do júri, que incluiu Nuria Enguita, diretora artística do MAC/CCB, François Piron, curador do Centro de Arte Contemporânea Palais de Tokyo, e o artista plástico Francisco Tropa.

No anúncio do vencedor da edição de 2024, no passado dia 26 de junho, o júri destacou “a narrativa criativa forte que conjuga uma imaginação histórica, social e poética com uma dimensão pessoal muito interessante, e um vocabulário próprio que explora diversos media.

A exposição no MAAT Central que reúne as obras destes seis artistas pode ser visitada até dia 8 de setembro.