De cada 10 casos confirmados de chikungunya no mundo neste ano, dois ocorreram no Brasil. A região das Américas soma quase a metade dos registros da doença: 124.942. Considerando apenas essa parte do globo, a situação brasileira desperta ainda mais preocupação — o país responde por 56% dos casos suspeitos, mais que a metade. Não à toa, a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS) emitiu, na semana passada, um novo alerta para a importância de mitigar o risco de surtos na região.

Transmitida pelo Aedes aegypti, a chikungunya acumula uma série de características que dificulta autoridades da saúde a cumprirem a recomendação da agência internacional. O controle do mosquito é uma delas. Falta de saneamento básico, acúmulo de lixo e crescimento urbano desordenado facilitam a vida do inseto e são realidade em boa parte das regiões brasileiras — basta lembrar levantamento recente do IBGE indicando que três de cada 10 residências do país não têm esgoto ligado à rede geral. O aquecimento global impulsiona ainda mais o Aedes, que tem introduzido chikungunya, dengue e zika em áreas inimagináveis, como a Europa.

O manejo dos infectados é outro desafio. Enquanto a recuperação de uma pessoa com dengue demora em média 10 dias, estima-se que mais da metade daquelas com chikungunya sofrerão com a fase crônica da doença, caracterizada por dor intensa e incapacitante que pode persistir por anos. Obviamente, o atendimento demandado por esses pacientes, além de duradouro, é mais complexo, envolvendo diversas especialidades em saúde e até mesmo suporte previdenciário. 

Estudo recente do grupo British Medical Journal calcula que os anos de vida perdidos devido a incapacidade ou morte por chikungunya no mundo totalizaram, de 2011 a 2020, 1,95 milhão. A maior perda foi a do Brasil: 329 mil, contribuindo com 17% da carga total. Os cientistas britânicos também estimam que os gastos com a doença no período foram de aproximadamente US$ 50 bilhões — provavelmente subestimados, enfatizam —, com “o maior ônus de custos principalmente devido ao alto número de casos no Brasil, na República Dominicana e na Colômbia”. 

É bem verdade que, hoje, a situação brasileira melhorou — neste ano, há uma redução de cerca de 55% dos casos da doença em comparação ao mesmo período de 2024. Mas não se pode ter tranquilidade com uma ameaça tão traiçoeira. “Os Aedes, principalmente o Aedes aegypti no Brasil, estão chegando a áreas onde não existiam”, alertou ao Correio César Omar, doutor em medicina tropical e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB). 

No momento, a região Centro-Oeste concentra a maior quantidade de casos prováveis: 64 mil dos quase 120 mil. Mas não é exagero afirmar que o resto do país também está sob perigo. Como a doença é relativamente nova no Brasil — o primeiro caso de transmissão dentro do território nacional se deu em 2014, no Amapá —, é baixa a exposição da população ao vírus, o que a deixa mais suscetível a infecções e favorece a explosão de casos, como aconteceu com a epidemia histórica de dengue em 2024, quando passaram a circular sorotipos do vírus pouco comuns no país. 

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Além do drama interno, é preciso que o país se atente à possibilidade de se tornar um exportador da doença. Há condições para isso: dimensões territoriais, um mosquito fortalecido e o número expressivo de casos confirmados, além da facilidade de deslocamento das pessoas nos tempos atuais. Sem dúvidas, a reconhecida capilaridade do Sistema Único de Saúde (SUS) pode ajudar a reverter esse processo, tornando a preocupação com a chikungunya uma prioridade desde os grandes centros urbanos aos lugares mais remotos do país. Mas tem que começar agora. Especialistas alertam com unanimidade que não se baixa a guarda contra o Aedes em momento algum.