Em 2016, o baiano Antonio Társis esteve na capital paulista para participar da 5ª edição do Prêmio EDP nas Artes, no Instituto Tomie Ohtake, do qual saiu vencedor. Então promessa das artes visuais do País, ele vivia ali sua primeira viagem para fora de Salvador e também seu primeiro contato com a Bienal de São Paulo, a segunda mais longeva do mundo.

O artista baiano Antonio Társis, durante montagem de sua instalação ‘Catastrophe Orchestra (2025)’ na Bienal de Sao Paulo. Foto: Leo Martins/Estadao

Quase dez anos depois, é a vez do artista fazer, enfim, sua estreia neste cobiçado espaço. A exposição coroa uma trajetória em franca ascensão. Em 2025, suas criações foram apresentadas em coletivas em Portugal, Inglaterra e França. Ano passado, além de figurar no 38º Panorama da Arte Brasileira, ele recebeu ainda mostras individuais nos Estados Unidos e na Inglaterra.

Utilizando materiais como pólvora, carvão e caixas de fósforos, Társis cria obras que podem – literalmente – pegar fogo a qualquer momento. Parece adequado quando alguns dos principais temas a cruzarem sua poética são justamente a violência urbana, a degradação social e a transformação provocada pela passagem do tempo. “Essa iminência do perigo é também a iminência da existência”, justifica o artista.

Nascido em 1995, Társis cresceu na favela do Arraial do Retiro, em Salvador, sem a presença do pai. Apesar de ter estudado somente até a 5ª série, manteve-se um leitor contumaz, prática fundamental para sua formação em artes visuais. Aos 14 anos, após perder a mãe, vítima de um câncer de mama, começou a experimentar processos artísticos a partir da reunião e colagem de objetos encontrados pela rua.

Nesse contexto, as caixas de fósforos, com seus diferentes tons de roxo de acordo com o tempo de exposição ao sol, se tornaram uma matéria-prima recheada de significados, por meio da qual ele se vale da fragilidade dos objetos para questionar sua transitoriedade e seus percursos de circulação.

O convite para a Bienal lhe deu a chance de iniciar uma nova série, na qual incorpora experimentos com sons. Catástrofe/Orquestra foi inspirada pela melancolia presente no cancioneiro do sambista baiano Batatinha e das músicas cantadas pela cabo-verdiana Cesária Évora. “Os dois criaram uma sinfonia quase invisível das violências que os atravessaram e que seguem atravessando gerações. Falar sobre humanidade é falar sobre essas violências”, afirma.

Para montar a instalação, ele desenvolveu um maquinário com um pendente feito de carvão, material com o qual ele passou a trabalhar baseado em uma pesquisa sobre o ciclo do ouro no Brasil e a Revolução Industrial. A traquitana contém uma corda que estica e distende em um tempo programado, alternando movimentos de elevação do material com sua soltura. Quando isso acontece, o carvão cai, batendo na superfície de um tambor de forma ritmada, evocando um processo ritualístico.

Para montar a instalação na Bienal, Antonio Társis desenvolveu um maquinário com um pendente feito de carvão, material com o qual ele passou a trabalhar baseado em uma pesquisa sobre o ciclo do ouro no Brasil e a Revolução Industrial. Foto: Leo Martins/Estadao

“Pensei muito sobre o desenvolvimento tecnológico e como ele acontece sempre a partir da lógica da exclusão do outro, sempre muito higienizada. O tambor vem muito de um lugar de pulsão de humanidade. Existe um senso de comunidade que surge dele”, comenta Társis.

A instalação é ainda cercada por painéis construídos com caixas de fósforo – objeto com o qual Batatinha ritmava seus sambas e que se tornou marca da experiência estética de Társis. Foram necessárias 25 pessoas e cinco meses de trabalho em Salvador para separar o material e fazer as colagens necessárias.

Este foi o maior período que ele permaneceu na cidade natal desde sua mudança para Londres, oito anos atrás. O tempo foi uma oportunidade de ele se reconectar com o lugar onde nasceu e as pessoas que lá estão, como seus irmãos. “Estou muito feliz de colaborar para esse alfabeto que os curadores estão construindo”, diz.