A sequela: uma epidemia clássica de Hollywood. Por cada O Padrinho: Parte II, há uma dezena de continuações que, mais do que prolongar a magia da primeira vez, são esforços cínicos — e transparentes nesse cinismo — para infectar as bilheteiras e multiplicar os cifrões. Ordenhar uma só vaca leiteira, pôr a render a mesma propriedade intelectual. Tende a correr melhor na música do que no cinema, sobretudo se não surgirem décadas depois, para fintar desde logo as acusações de falência criativa, da necessidade de ressuscitar velhas glórias.

Esse é o melhor cenário possível: a oportunidade de escutar mais, conhecer novas imagens de um período fértil. Com Swag II, Justin Bieber segue o exemplo da sua conterrânea Carly Rae Jepsen: poucos meses após um primeiro tomo, lança o segundo, no mesmo comprimento de onda estético e emotivo. Jepsen não interessa para esta história só por lançar discos-irmãos em anos consecutivos (com um controlo de qualidade descomunal). Foi ela a autora de Emotion (2015), álbum-charneira que forçou a crítica musical a deixar de julgar a música pop como saco de pancada. E foi nesta aurora que Bieber editou Purpose, avaliado não por pirraça, mas por aquilo que era: um trabalho maduro, de pop dançável com aspartame tropical, a cápsula de 2015.


Desde então, não lhe pesa tanto o estatuto de mini-ídolo esganiçado. O que o trama é a auto-sabotagem de diva, os interlúdios com que pontua os discos (num deles equiparou a sua luta à de Martin Luther King, noutro certifica-se de que “a pele [dele] é branca, mas a alma é negra”), e o apetite por sermões bem literais. Swag II é mais caridoso nesse sentido: só mesmo no finzinho vem uma faixa inteiramente falada de oito minutos, em que Bieber narra o Génesis da perspectiva de Adão. OK!


Outra vez sob o signo do cristianismo e da monogamia, continuamos na lua de mel eterna, aqui como na vida real: uma alegria na primeira pessoa, um martírio para quem vê de fora a pieguice pegada. Não se verificam os rumores de que este seria o contraponto super pop de Swag: a paisagem é a mesma, R&B caseiro, desta vez um pouco mais polido. Mantêm-se: as teclas sintéticas de 1980 e troca o passo; as baterias percutidas com gosto; o timbre juvenil de Bieber, cantor exímio que não poucas vezes se esquece do primor técnico da pop industrial. As guitarras, novamente letárgicas, deslizam, a sonhar com um groove — mas enquanto o primeiro Swag não desistia até agarrar esse groove, o segundo capítulo passa pelas brasas e perde-o quase sempre.


Muito se ganha, na verdade, com as escolhas tomadas na pós-produção, que apresentam canções doces numa mistura algo crua: torna mais tangíveis a impaciência em Don’t wanna (que evoca o ritmo de Michael Jackson em Wanna be startin’ somethin’) e a co-dependência em Dotted line (que, parecendo gravada num telemóvel, dá uma sensação vagamente voyeurista). Open up your heart é uma balada de estádio, de isqueiro em riste, ouvida através do equivalente sonoro de uma câmara besuntada de vaselina.

Não é que Swag II priorize a forma sobre a substância, porque não faltam aqui músicas competentes (são 22 faixas sem contar com a tal autobiografia de Adão). Melódicas q.b., bem cantadas e harmonizadas, e que ainda assim não têm interesse algum, não guardam surpresa alguma (são exemplos Petting zoo, Lyin’, When it’s over). As cinco canções depois de Love song — em que Mk.gee volta a atacar a guitarra com aquela palheta letal — poderão servir como suplemento de melatonina, tal é a sonolência causada em sucessivas audições.


Mas há sempre alguma sacudidela para nos despertar. Até é pena que Speed demon fique logo ao início: não sendo uma versão de Michael Jackson, o ritmo soluçante (reminiscente de Zillionaire, da britânica Nao) dá-nos um Bieber electrificado, como se encontra também em Bad honey (a malha de guitarra dá ares de Prince na era Lovesexy). Moving fast, epifania pulsante em tempo real, faz um bom par com Butterflies do álbum anterior, tal como Safe space, com um big beat inesperadamente brutal, melhora outra faixa do primeiro Swag (Dadz love).

São impressões raras neste álbum que é o contraponto de Swag apenas num sentido: o primeiro volume revela-se com o tempo, este parece tornar-se mais baço. Um disco de barriga inchada, que é o que acontece quando a lua-de-mel se arrasta por demasiado tempo (uma hora e 13 minutos, neste caso). Mas talvez isto seja só a inveja a falar.