Paul Greengrass (e Doug Liman, sejamos justos) mudaram o cinema de ação no início dos anos 2000 com a série de filmes de Jason Bourne. A câmera na mão, imagens tremidas e os muitos cortes na edição ditaram o que viria a ser a base do gênero até o surgimento de um tal John Wick, doze anos após A Identidade Bourne. Greengrass deu um passo além da franquia com seu cinema que beirava o documental – marca de seu primeiro trabalho antes de Bourne, Domingo Sangrento – com Voo United 93, onde narra praticamente em tempo real a história do voo que acabou não atingindo o alvo no 11 de setembro de 2001. O diretor misturou esse olhar cru e humanizado dos fatos reais com a tensão da ação em Capitão Phillips, estrelado por Tom Hanks. Agora, ele volta à fórmula com O Ônibus Perdido, produzido pela Apple.

Adaptando o livro Paradise: One Town’s Struggle to Survive an American Wildfire (ou A Luta de uma Cidade para Sobreviver a um Incêndio Americano, em tradução livre), de Lizzie Johnson, Greengrass e Brad Ingelsby – produtor de Mare of Easttown – contam a história de Kevin McKay (Matthew McConaughey), um motorista de ônibus escolar, que, ao lado da professora Mary Ludwig (America Ferrera) precisam lutar para salvar 22 crianças do inferno que foi o incêndio de Camp Fire, em 2018, na Califórnia. 

A história é um prato cheio para o diretor repetir o que deu certo em Voo United 93 e Capitão Phillips. De um lado, o realismo, o uso de imagens reais e os profissionais que participaram dos eventos, interpretando a si mesmos ou seus companheiros na situação. Do outro, assim como Tom Hanks, Greengrass se aproveita da imagem pré-estabelecida do astro Matthew McConaughey, para criar seu herói. O diretor mergulha de cabeça no melodrama, reservando todos os primeiros minutos do filme para comover o espectador sobre a situação pessoal de Kevin, seu relacionamento quebrado com o filho e os cuidados que precisa ter com a mãe fragilizada – vale destacar que ambos são vividos pelo filho e a mãe de McConaughey na vida real. O que parece piegas a princípio, acaba servindo de adição para a tensão que está por vir, gerando em Kevin um sentimento de falha, mesmo quando ele está arriscando sua vida.

Com McConaughey e America Ferrera – ótimos e em uma dinâmica que é impossível de não pensar em Velocidade Máxima -, o diretor constrói um filme catástrofe que passa longe do que o gênero se tornou em exemplos recentes, como 2012. Embora o espetáculo esteja lá, o que move os protagonistas é o drama, o sofrimento e o risco imediato que as vidas nas mãos deles correm. O Ônibus Perdido está mais para Inferno na Torre do que Terremoto: A Falha de San Andreas. Greengrass cria planos onde o incêndio se move na mata e entre as árvores como uma criatura buscando sua presa, algo vivo e pronto para destruir tudo em sua frente.

A sensação de desespero e opressão dos incêndios incontroláveis é ressaltada pela fotografia de Pål Ulvik Rokseth, que trabalhou com Paul Greengrass em 22 de Julho. Ainda que a câmera na mão não se justifique no início da trama, assim que o fogo começa a se espalhar, ela se torna elemento fundamental para a construção da tensão. Há um momento de resgate fantástico, que trabalha o “shaky cam” como num filme de guerra e favorecendo a ideia de desnortear o espectador, assim como as vítmas da destruição. O uso de pouca luz, que enche a tela de grãos e até distorce os rostos em meio ao incêndio e fumaça também são elementos precisos para a recriação da tragédia. Vale destacar ainda o trabalho de som da produção e o quanto ele torna o vento e o barulho das chamas ainda mais assustadores conforme a história avança.

O Ônibus Perdido não está interessado em discutir questões ambientais, embora elas sejam intrínsecas ao terror dos fatos. O discurso do chefe dos bombeiros (interpretado com competência por Yul Vasquez) parece até sair do trilho quando ele volta para pontuar que esse não é o primeiro incêndio daquela proporção. O foco do filme é no drama humano, seja de Kevin, Mary, das crianças, da controladora do rádio (Ashlie Atkinson) e dos bombeiros que lutam contra uma força praticamente invencível. Greengrass acerta ao focar no melodrama da situação, mesmo que tente adicionar temas demais para seu protagonista e fique a todo tempo buscando paralelos entre os dramas dele e de personagens na história. 

Os wildfires, como são chamados os incêndios, já ocupam os noticiários – e agora as redes sociais – todos os anos. Especialistas não cansam de apontar a crise climática que vivemos há décadas. O Ônibus Perdido não perde tempo com panfletos rasos. Greengrass utiliza a história de quem tenta sobreviver ao terror como um aviso e reforça, com seu estilo inconfundível, de que seremos arrasados com a mesma facilidade com que destruímos.

O Ônibus Perdido

The Lost Bus

Ano:
2025

País:
EUA

Duração:
130 min

Direção:

Paul Greengrass

Elenco:

Matthew McConaughey
,
America Ferrera

Onde assistir: