“Rico ri a toa”, dizia o bordão do humor antigo – mas agora chegou a vez de, pobres e remediados, rirmos dele. E olha que eu não falo da Odete Roitman. São os endinheirados do Country, os herdeiros do Jardim Europa, os políticos do Lago Paranoá, a elite que corresponde a 0,01% dos brasileiros.
O antropólogo Michel Alcoforado acaba de lançar “Coisa de Rico”, pela Todavia, e o fez como se atirasse um mocassim Ferragamo dentro da bouillabaisse que ajuda a turma do Fasano a esquentar as noites de inverno. Poderia ter feito um brioche, mas preferiu as delícias do deboche. É o livro mais divertido da temporada, e a Constanza Pascolato há de admitir que escrito com a elegância de quem usou a mais fina Montblanc.
Seus personagens são de verdade, ainda mais tragicômicos e ricos do que a Odete Roitman, orgulhosa em pegar o helicóptero para levar à praia o bofe do momento. Estamos entrando nas mansões dos bem-nascidos do Morumbi, na garagem dos emergentes da Barra e nos desejos da alta roda. É tudo real, com a exceção talvez das carteiras Michael Kors que as madames, em excursão acompanhada por Alcoforado, compram às dúzias na euforia dos outlets de Miami.
O antropólogo fez um livro com o rigor de investigação do seu campo de estudo, mas na hora de escrever desprezou o jaquetão do academicismo. Mistura crônica, humor, reportagem ao estilo novo jornalismo e pitadas de seu ídolo, Nelson Rodrigues (“o milionário brasileiro é acima de tudo um brasileiro, e, portanto, um pobre vocacional”).
O resultado é um raro livro bem escrito sobre a desigualdade brasileira, sobre a movimentação dos grupos para garantir status e a permanência de poder através de gerações. Michel exibe as referências graves sobre o assunto, mas encharca as mãos de lavanda com as minúcias das coisas de rico, seus lulus da Pomerânia, suas cadeiras Tenreiro espalhadas pela sala e até mesmo os duelos verbais aleatórios (dois homens discutem quem era o melhor eletricista do upper east side de Nova York), pois nesta guerra vence quem consegue parecer mais rico.
“Coisa de rico” é dolorosamente divertido ao entrar nos closets da elite, embora os entrevistados digam que rico é o outro, todos conscientes de que a riqueza no Brasil tem um je ne sais quoi de obscuro que pode ser revelado no jornal de amanhã. É o país atrás do muro das mansões, dos óculos escuros dos seguranças e da blindagem da Land Rover. Uma fantasia quase pornô. Um empresário durante o almoço meleca o terno de molho de tomate com lascas de parmesão, uma hora antes de um encontro importante. No problem. Dois pisos acima, numa Ermenegildo Zegna, os alfaiates ajustam um novo terno azul marinho e, por R$ 90 mil, o compromisso está mantido.
É um Brasil que não conhece o Brasil e nem quer conhecer, pois todos se acham os responsáveis, sem participação do Estado, pela construção de suas edículas e cocheiras. “Lagostas! Muitas lagostas para o antropólogo!”, vibra a ricaça recebendo Alcoforado.
Ele visitou também a quatrocentona que em dia mais frio, ao sair do banho quente, tem à espera duas ou três empregadas prontas para apertá-la contra a toalha e assim acelerar o aquecimento da pele. São empregadas-termômetro. É ou não é um livro perfeito para a Odete Roitman ter na cabeceira e aprender a ser rica de verdade?