Landis Blair (Estados Unidos, 1983) tornou-se conhecido num repente graças ao seu monumental livro, de mais de 400 páginas, escrito por David Carlson, em 2017. The Hunting Accident: A True Story of Crime and Poetry é um livro baseado na história real de um criminoso dos anos 1920 e um segredo de família, apenas revelado na idade adulta do filho. Celebrado de imediato, chegou mesmo a ser premiado inclusive em certames internacionais, como Angoulême. Influenciado de forma declarada pela obra de Edward Gorey (e todo um rol de ilustradores do século XIX, da gravura francesa aos vitorianos, tal como esse outro mestre gráfico), Blair não apenas persegue essa subtil e delicada fronteira do humor macabro como também explora uma mesma assinatura gráfica e estilística, com a criação de desenhos em linhas muito finas, com figurações realistas, e depois preenchidas com um trabalho febril de tramas e padrões, apertados e obsessivos. Vejam-se as suas ilustrações para A is For Arsenic: An ABC of Victorian Death, de Chris Woodyard, ou o seu livro The Envious Siblings. Este estilo, a um só tempo realista e graficamente denso, cria um substrato naturalista, cheio de tons, texturas, materialidades e profundidades, que depois serve melhor as fantasias assombrosas em que mergulha.
Muito dos seus projectos, inclusive de séries de desenhos não necessariamente narrativos, exploram temas absurdos e os quais, de alguma forma, reflectem a transitoriedade da vida humana. Quanto mais ancorada parece ser a representação dos objectos, mais “estranhamente familiar” (para empregar a noção freudiana do Unheimlich) são as situações, criando uma espécie de ressonância de múltiplos ou até paradoxais significados que se concatenam.
O autor é um dos membros da Ordem da Boa Morte, uma associação norte-americana que procura a legalização de toda uma série de rituais de enterros naturais: isto é, a possibilidade de enterrar os corpos no meio da natureza, e empregar materiais perecíveis que acompanhem o ritmo natural de decomposição, quer dos corpos quer dos esquifes, roupas, etc. Procuram, dessa forma, incutir uma filosofia de ver de modo positivo a única certeza de todas as nossas vidas. Essa inscrição de Landis Blair, como entenderão os leitores, não é de somenos importância neste pequeno livro.
Tal como ocorrem noutros títulos desta série, a presença da morte é claríssima, se bem que para indagar, digamos assim, os ângulos benfazejos da mesma. Blair apresenta uma situação muito simples, num período de tempo narrativo muito curto, em que um observador de pássaros vai “coleccionando” as várias espécies migratórias que passam ao largo dos céus. Muitas delas buscam no sul, durante a época invernal, melhores condições de alimentação e para o seu acasalamento, mas Blair transforma essa realidade natural numa possibilidade alegórica. Mesmo que algumas espécies aqui representadas não o façam, no interior de breve mundo do autor, todas partilham a mesma rota.
Em algumas tradições religiosas e mitológicas, os pássaros são figuras psicopompas (isto é, que acompanham as almas para chegarem às paragens que as esperam após a morte) ou, pelo menos, enquanto mensageiras entre os mundos, o mortal e o dos deuses. De uma forma simples, linear, tranquila mas profunda, o artista transforma uma acção fantasiosa numa espécie de aliança entre a convivência entre o humano e o animal, um enleio ecológico, com um voo feérico e mágico. Desta maneira, pombos, gansos, corvos, gaivotas, mochos, pelicanos, unem-se num “corpo colectivo” capaz de abrir a chave dos céus. E assim, o homem, até aquele momento separado desse mundo natural, é integrado, redimido. Torna-se participante dessa condição de possibilidade. E que se dane o preço. É a única coisa natural da nossa vida.