O juiz do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, pediu a nulidade do processo contra o ex-Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, por considerar que a Primeira Turma do STF não tem competência para julgar o caso, divergindo de forma absoluta com o entendimento dos dois juízes que já votaram a favor da condenação dos réus.
Já se esperava que Fux tivesse uma interpretação diferente daquela que foi vincada pelo juiz relator do processo, Alexandre de Moraes, que na véspera tinha pedido a condenação dos oito réus. No entanto, na leitura do seu despacho na sessão desta quarta-feira, o juiz deu razão à generalidade das questões levantadas pelos advogados de defesa. Fux continua a fazer a sua declaração de voto, mas tudo indica que poderá votar pela absolvição dos réus no processo sobre a alegada tentativa de golpe de Estado.
Para o juiz, o processo contra o antigo Presidente e vários ex-ministros não deveria ser julgado pelo STF e, a ser julgado pelo supremo, isso deveria ser feito pelo plenário e não por uma das suas secções. “Concluo assim pela incompetência absoluta do STF nesse processo, uma vez que os denunciados já haviam perdido os seus cargos. Impõe-se a nulidade de todos os actos processuais praticados”, afirmou Fux.
Depois de Alexandre de Moraes e Flávio Dino, os primeiros dois juízes do colectivo do STF que está a julgar o caso, terem votado a favor da condenação do ex-Presidente e dos restantes sete réus, basta mais um voto para que esse desfecho se concretize.
Fux é considerado o juiz com uma visão mais benevolente do caso contra Bolsonaro e os seus aliados mais próximos, acusados de conspirarem ao longo de meses para minar as instituições democráticas e impedir a tomada de posse de Lula da Silva, após a sua vitória nas eleições de 2022. É, por isso, expectável que Fux apresente várias divergências em relação à declaração de voto de Moraes, o relator do processo.
Essa possibilidade ficou desde logo patente na terça-feira, quando Fux chegou mesmo a interromper a declaração de Moraes para avisar que iria discorrer sobre algumas discordâncias durante a sua votação no dia seguinte.
O principal impacto que as divergências de Fux podem surtir está relacionado com a forma como o seu voto poderá influenciar os dois últimos juízes que ainda não votaram – Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Se houver mais votos que apresentem argumentos relevantes que se distanciem da opinião de Moraes, a tese da condenação integral poderá ficar enfraquecido, abrindo a possibilidade para as defesas dos réus poderem vir a apresentar recursos sobre o mérito da decisão.
Moraes e Dino pedem condenação
Na sua declaração de voto, Moraes não poupou nenhum dos oito réus acusados de terem montado uma organização criminosa no interior do Palácio do Planalto que tinha como objectivo romper a ordem constitucional. Bolsonaro, como líder do grupo criminoso, usou a sua posição como chefe de Estado para impor um “projecto autoritário de poder”, afirmou o juiz, pedindo a condenação de todos os réus.
Dino seguiu a generalidade das considerações de Moraes, embora com ressalvas em relação à responsabilidade que deve ser atribuída a três dos réus – o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, o ex-ministro da Defesa, Paulo Nogueira, e o ex-director da Agência Brasileira de Inteligência, Alexandre Ramagem – e, por isso, pedindo penas mais brandas.
Está prevista uma sessão para quinta-feira, durante a qual devem ficar concluídos os votos dos juízes. Na sexta-feira, serão lidas as sentenças.
O julgamento tem sido acompanhado de forma muito próxima pela Administração de Donald Trump, que não se tem coibido de pressionar as autoridades judiciais e políticas brasileiras, acusando-as de perseguirem Bolsonaro.
Na terça-feira, a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, garantiu que o caso é “uma prioridade” para Washington e realçou que Trump “não tem medo de usar o poder económico e o poder militar dos EUA para proteger a liberdade de expressão ao redor do mundo”.
Durante o Verão, Trump decidiu aplicar tarifas de 50% sobre as importações de produtos brasileiros como retaliação pelo caso contra Bolsonaro e deixou antever novas sanções no caso de uma condenação. Além disso, alguns dos juízes do STF foram proibidos de viajar para os EUA e Moraes foi incluído na Lista Magnitsky, na qual habitualmente figuram dirigentes estrangeiros acusados de violações de direitos humanos.
Já depois das declarações da Casa Branca, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Brasil divulgou um comunicado em que “condena o uso de sanções económicas ou ameaças de uso da força” contra o país.