Já se sabia que muito do vinho em excesso nas adegas durienses era tinto, consequência do decréscimo de consumo e venda desta tipologia de vinhos — a nível mundial, não apenas em Portugal, sublinhe-se. Mas não se conhecia a exacta litragem que os produtores da mais antiga região demarcada do mundo têm por escoar à data de hoje. Dos 444 milhões de litros de vinho que o Douro tinha dentro de portas depois da vindima de 2024 (a informação publicada ainda não reflecte o resultado da campanha em curso), 370 milhões são de vinho tinto. E, em teoria, são produção excedentária. Ou assim a apresenta o Governo. Serão de vinho tinto apto à produção de vinho do Porto, mas uma importante parte (128 milhões de litros) corresponde aos dois terços que o sector está obrigado a ter em cave (pela chamada Lei do Terço, por cada litro que vendem, as casas de vinho do Porto têm de ter dois em stock). A categoria está na mira do Governo, que não faz essa menção nos números divulgados nesta terça-feira. E que, por um lado, quer promover um abandono controlado da actividade do viticultor e, por outro, pretende travar novas plantações de vinha na região.
O Douro “enfrenta actualmente uma situação de excedentes persistentes, estando actualmente os stocks da região nos 4.442.520 hectolitros [444 milhões de litros], com uma variação de 9%, relativamente à média dos últimos cinco anos”, escreve o Governo, que discrimina os números das existências na resolução do Conselho de Ministros que aprova o Plano de Acção para a Gestão Sustentável e Valorização do Sector Vitivinícola da Região Demarcada do Douro, publicada nesta terça-feira em Diário da República. Depois da vindima de 2024, a região ficou com 443 milhões de litros de vinho com denominação de origem protegida (DOP) — e aqui a informação não distingue entre DOP Douro, o vinho tranquilo com selo de qualidade superior da região, e DOP Porto — e 1,6 milhões de litros de vinho com indicação geográfica protegida (IGP) — neste caso, o chamado vinho regional. Numa e noutra categoria, a esmagadora maioria dos excedentes é vinho tinto: 370 milhões de litros de vinho DOP e 1 milhão de litros de IGP.
Os stocks de vinho do Douro representam “cerca de 280% da [sua] produção anual”, depois de na campanha vitivinícola de 2024/2025 a produção ter atingido “1,55 milhões de hectolitros de vinho apto a denominação de origem protegida e indicação geográfica protegida”, “evidenciando um desequilíbrio estrutural entre oferta e procura”, sublinha o Governo na resolução agora publicada.
280%
O stock de vinho acumulado nas adegas no Douro corresponde a cerca de 280% da produção anual
Lembra a tutela que esse “desequilíbrio reflecte uma tendência persistente de crescimento das existências, com excepção do ano de 2021, e tem agravado as dificuldades financeiras dos viticultores, cooperativas e operadores económicos da região”, ao mesmo tempo que a retracção do consumo passou a ser a nova realidade a nível mundial e se verificou, especifica o Governo, uma “redução da procura ao nível da DOP Porto” — o vinho do Porto.
Vinho do Porto esse que em 2024 teve vendas, em volume, a rondar os 64 milhões de litros, o que, pela tal Lei do Terço, quer dizer que nas caves ficaram stocks obrigatórios de cerca de 128 milhões de litros. A propósito deste tema, o plano do Governo para o Douro faz cair a obrigação de existência de um stock mínimo para venda que até aqui era exigida a quem chegava de novo ao mercado. E essa é outra questão diferente daquela que a Lei do Terço regulamenta. Até agora, quem começasse a comercializar vinho do Porto tinha de ter já 75 mil litros em stock. Agora, a exigência de stock mínimo é zero.
A resolução do Conselho de Ministros transpõe, de resto, aquilo que já se conhecia em traços gerais do plano de acção para a região. Aprova então o plano do Governo para fazer face à crise que o sector vitivinícola do Douro atravessa; determina a criação da “medida conjuntural de crise”, que se traduz no apoio directo ao viticultor que, na actual vindima, entregue “uva para destilação” — esses agricultores receberão 50 cêntimos por quilo de uva —; e especifica as fontes de financiamento dos 15 milhões de euros que essa medida representará.
A operacionalidade da medida fica a cargo do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto (IVPD), que está autorizado a realizar essa despesa este ano: 10 milhões de euros são “financiados através de gestão flexível dentro do Programa Orçamental da Agricultura” e, caso esse montante “não seja suficiente para assegurar a execução da medida, serão utilizadas verbas provenientes do capítulo 60, gerido pela Entidade do Tesouro e Finanças”, até um tecto de 5 milhões de euros.
Quem e como receberá os 50 cêntimos por quilo?
Segundo a informação publicada nesta terça-feira, o IVDP fará o levantamento das quantidades máximas com que cada viticultor se pode candidatar ao apoio, até ao “limite máximo individual de 30% da média de produção dos últimos cinco anos”. O instituto comunicará depois esses limites aos agricultores através da autorização de produção, vulgo, cartão do benefício. Será necessário haver um acordo prévio entre viticultor, vinificador — o apoio é ao viticultor, mas este tem de ter uma adega onde entregue as uvas, uma vez que o que é destilado é o vinho resultado dessa matéria-prima; os vinificadores podem ser adegas cooperativas, por exemplo — e destilador e a candidatura ao apoio tem de ser submetida pelo vinificador junto do IVDP até 15 de Setembro.
Os viticultores não podem ter dívidas à Segurança Social nem ao Fisco, e devem fazer prova disso. O IVDP validará as candidaturas e pode ter de vir a estabelecer “regras de rateio”, em função da procura pelo apoio e do orçamento disponível, os tais 15 milhões de euros, sendo que será sempre assegurado “25% do valor correspondente à quantidade elegível candidatada” — “viticultores com área total igual ou inferior a 5 hectares não estão sujeitos a rateio.”. O instituto deverá comunicar até 22 de Setembro a sua decisão sobre “as candidaturas aprovadas e os volumes máximos de uvas para destilação”, assim como eventuais rateios.
[Os excedentes de vinho no Douro] foram provocados pela verificação, em simultâneo, de uma quebra nas vendas de 2,5 % em 2024 em relação à média dos últimos anos (2020/2024) e por um aumento na produção de vinhos aptos a denominação de origem protegida e indicação geográfica protegida de 7%
Redução da área de vinha
Entre as medidas estruturais que constam da estratégia anunciada a 28 de Agosto, estão três “de ajustamento do potencial produtivo”, que, em teoria, terão grande impacto na realidade económico-social e na paisagem durienses. A primeira é a redução voluntária da área de vinha apta à produção de vinho DOP Porto. O Governo quer reduzir a área de vinha na região e o foco é nos vinhedos aptos à produção de vinho do Porto, “com imposição de um limite máximo individual, avaliando a possibilidade de atribuição de uma compensação da redução, mediante a atribuição de uma majoração temporária à área sobrante, conservando as autorizações de plantação de vinha por um prazo de até oito anos”.
Até agora, das comunicações feitas pelo Ministério da Agricultura e Mar resultava a ideia de que o apoio dos 50 cêntimos por quilo de uva para destilação tinha como condição sine qua non a redução da área de vinha. Pelo que se lê na resolução do Conselho de Ministros, as duas coisas não estarão afinal ligadas, embora se fale na possibilidade de atribuir uma compensação (outro tipo de compensação) a quem vier a arrancar vinha.
A segunda é o apoio à criação “de uma bolsa de direitos para atribuição da DOP Porto, que permita a transacção das autorizações de produção (benefício), gerida pelo IVDP”. E a terceira pretende “travar a expansão do potencial produtivo, através da inibição de novas autorizações de plantação e, no caso de transferências de vinha, manter a atribuição da DOP Porto às autorizações das parcelas originais”.
No plano, há depois medidas complementares, como a reconversão de terras agrícolas, “através de apoios no âmbito do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC), para a instalação de áreas com interesse ambiental ou culturas alternativas à vinha”, a priorização das cooperativas na atribuição de apoios ao investimento e a limitação da reconversão de vinha através do VITIS às vinhas mais antigas.
Estas e outras medidas serão desenvolvidas, monitorizadas e avaliadas por um grupo de coordenação em que participam o IVDP (entidade que coordenará o grupo), o Instituto da Vinha e do Vinho, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, o Gabinete de Planeamento e Políticas e Administração Geral, as comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte e do Centro e o Turismo do Porto e Norte de Portugal.
Os excedentes de vinho no Douro “foram provocados pela verificação, em simultâneo, de uma quebra nas vendas de 2,5 % em 2024 em relação à média dos últimos anos (2020/2024) e por um aumento na produção de vinhos aptos a denominação de origem protegida e indicação geográfica protegida de 7%”, conforme pode ler-se na resolução do Conselho de Ministros.
Texto corrigido para explicitar a obrigatoriedade legal de as empresas do sector terem determinada quantidade de vinho do Porto em stock.