O coro de críticas dos socialistas a Carlos Moedas continua. O actual presidente do Conselho Europeu, António Costa, e outros antigos ministros de António Guterres acusam o presidente da Câmara de Lisboa de ter dito “falsidades” sobre o falecido antigo ministro Jorge Coelho. E tanto Fernando Medina, como Francisco Assis acusam o autarca de não ter “idoneidade” ou “dignidade” para ocupar as suas funções.
“Nós, companheiros de Jorge Coelho no Governo de António Guterres aquando da queda da ponte de Entre-os-Rios, queremos manifestar a nossa indignação pelas falsidades proclamadas pelo engenheiro Carlos Moedas sobre o que se passou em 2001. A atitude de Jorge Coelho foi um contributo importante para a defesa da Democracia nos últimos 25 anos”, escrevem antigos ministros de António Guterres numa nota enviada à agência Lusa.
Além do ex-primeiro-ministro António Costa, assinam a nota Alberto Martins, Augusto Santos Silva, Eduardo Ferro Rodrigues, Guilherme Oliveira Martins, Luís Capoulas Santos e Nuno Severiano Teixeira. Estes antigos ministros justificam ter subscrito esta nota por uma questão de “dever”. “Não podendo Jorge Coelho defender-se, é nosso dever defender a sua memória”, frisam.
No domingo, durante uma entrevista à SIC sobre as causas do acidente mortal com o elevador da Glória, em Lisboa, Carlos Moedas foi confrontado com o exemplo do falecido socialista Jorge Coelho, em 2001, que se demitiu das funções de ministro de ministro do Equipamento Social na sequência da queda da ponte de Entre-os-Rios, no rio Douro.
Carlos Moedas recusou a comparação e disse que o gabinete de Jorge Coelho tinha recebido informações que apontavam para “problemas de manutenção” da ponte ainda antes do acidente, enquanto no caso dele, pelo contrário, não recebeu qualquer sinal nesse sentido em relação ao Elevador da Glória. “Responsabilidade política é quando o político sabe e não actua”, justificou o presidente de câmara.
O acidente ocorrido na passada quarta-feira com o elevador da Glória, em Lisboa, provocou 16 mortos e vários feridos com gravidade. Logo a seguir, as declarações de Carlos Moedas foram condenadas por vários socialistas, entre eles o antigo líder do PS Ferro Rodrigues, que se manifestou “indignado” com as afirmações do presidente da Câmara de Lisboa.
Após a queda da ponte de Entre-os-Rios, entre outras investigações, a Assembleia da República constituiu uma comissão de inquérito que meses depois produziu um relatório aprovado sem votos contra. Na sequência de investigações, demitiu-se o então presidente do Instituto de Navegabilidade do Douro (IND), Mário Fernandes. O IND foi uma das entidades responsabilizadas pela queda da ponte, enquanto organismo que licenciava e fiscalizava a extracção de areias no canal navegável do rio Douro.
Medina e Assis apontam falta de coerência
Também Fernando Medina respondeu às declarações de Carlos Moedas, que o acusou de ter “responsabilidade política” no caso Russiagate (em que a Câmara de Lisboa partilhou dados pessoais de manifestantes anti-Putin com as autoridades russas) porque “tomou decisões no seu gabinete de apoio que tiveram um efeito e cometeram um erro condenado pelos tribunais”. Moedas tentava justificar o facto de ter pedido a demissão de Fernando Medina em 2021, mas, agora, não tomar a mesma atitude perante o descarrilamento do elevador, alegando que não cometeu qualquer erro.
No rescaldo do desastre, Fernando Medina pediu apenas que as “entidades competentes” dêem uma “resposta” para “esclarecer o que se passou”, sem exigir responsabilidades políticas. Já após a entrevista do presidente de câmara, acusou-o de “mentir para se salvar”, concluindo que “não é uma pessoa de confiança”, antes “uma pessoa que não tem palavra, que não tem a idoneidade para o lugar que ocupa”.
Defendendo que o autarca “não quer imputar a si o critério que definiu para os outros” há quatro anos – critério que acusa Moedas de ter criado por “oportunismo político” – Fernando Medina considerou que “Carlos Moedas de 2021 já demitiu Carlos Moedas de 2025”. E acusou mesmo o social-democrata de ter um “padrão psicológico”: “Sempre que se vê em dificuldades e momentos de pressão, foge para a frente, mente, alija-se de responsabilidades”, disse, no programa “Conversa de Eleição” da Renascença.
Medina desmentiu ainda Moedas em relação às declarações sobre Jorge Coelho, alegando que é “completamente falso” e que “profana a memória” do socialista. “Fala de uma pessoa que não está em condições de se defender”, condenou, sinalizando que tanto o relatório do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, como a comissão de inquérito e o julgamento no tribunal sobre a queda da ponte não concluíram que Jorge Coelho tinha informações que podiam ter evitado o colapso.
Também Francisco Assis criticou Carlos Moedas esta segunda-feira à noite. Numa publicação nas redes sociais, o eurodeputado do PS acusou o presidente do município de “óbvia inaptidão para o desempenho das funções” e de não ser “um líder”. Defendendo que Moedas “excedeu tudo o que é imaginável e tolerável”, apontou ainda que “é moralmente escandaloso no contexto de uma tragédia” que o autarca tenha insultado Alexandra Leitão, candidata do PS à Câmara de Lisboa, e chamado “sicários, isto é, assassinos a mando de alguém” a Eurico Brilhante Dias, líder parlamentar, e Pedro Nuno Santos, ex-secretário-geral.
Para o socialista, só existe uma razão para este comportamento: “Carlos Moedas está a viver um dramático conflito interior porque sabe que não está a agir de acordo com os padrões que estabeleceu para outros. Isso deve ter um efeito psicológico devastador e tem como consequência a perda de condições para exercer com o mínimo de dignidade as funções de Presidente da Câmara de Lisboa”, escreveu.
As reacções chegaram já depois de vários socialistas ― como Alexandra Leitão, José Luís Carneiro, secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos ou Eurico Brilhante Dias ―, terem condenado as declarações de Moedas. Contudo, o PS parece dividido entre aqueles que querem mostrar uma postura de maior moderação, sem pedir a demissão de Moedas, como Carneiro e Leitão ― que foi elogiada por Assis por mostrar “serenidade” e “contenção” ―, e aqueles que exigem responsabilidades políticas, como Pedro Nuno Santos.
O ex-secretário-geral do PS lamentou até, numa publicação nas redes sociais, que existam pessoas à esquerda que se tenham “viciado tanto nos elogios da direita” ― quando dizem que os socialistas são “sóbrios” e “moderados” ―, que “já não conseguem viver sem eles”. “Os nossos adversários políticos e seus apoiantes gostariam que nos calássemos, mas nós não lhes podemos fazer esse favor”, avisou.