Um alerta da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), divulgado em 28 de agosto, chamou a atenção para o aumento de surtos de chikungunya e oropouche nas Américas, incluindo o Brasil. O comunicado recomenda que os países reforcem a vigilância epidemiológica e laboratorial, garantam o manejo clínico adequado e intensifiquem ações de controle de vetores, a fim de mitigar o risco de surtos e reduzir complicações e mortes.

Para Margareth Dalcolmo, pneumologista e pesquisadora da Fiocruz que se destacou na pandemia da Covid-19, a próxima pandemia não é mais uma questão de “se”, mas de “quando”. Embora a especialista aposte que o patógeno mais provável seja o vírus influenza, como o H5N1, ela alerta que 60% das futuras pandemias podem se originar de zoonoses —doenças transmitidas de animais para humanos.

“A transmissão por zoonoses é favorecida pela violação do meio ambiente. Nossa amazônia, devastada dessa maneira, é um verdadeiro celeiro de vírus, até maior que a China”, afirma.

Em vista disso, ela defende a criação de uma estrutura nacional de emergência sanitária, responsável por monitorar ameaças, emitir alertas e coordenar respostas rápidas a surtos e pandemias. O alerta da Opas reforça a necessidade da proposta de Dalcolmo.

A ideia foi apresentada ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha, mas sua implantação dependeria de aprovação legislativa. Em entrevista à Folha, ela conta detalhes sobre essa nova estrutura.

Qual é a principal motivação para a criação desse novo órgão no Brasil? É a constatação de que o Brasil, a exemplo de outros países, como os Estados Unidos, precisa de uma estrutura estatal independente para responder de forma rápida e eficiente a ameaças epidêmicas, sem estar sujeito a mudanças governamentais.

A sra. afirmou que essa nova estrutura não competirá com agências existentes como a Anvisa ou a ANS (Agência Nacional de Saúde). Pode explicar a diferença? Ela é pensada para ser uma instituição mais ágil e com um papel diferente, de recomendação e não de regulamentação ou execução.

Qual o papel dessa estrutura em caso de ameaça epidêmica? O papel principal será de recomendação técnica e logística. A estrutura irá orientar sobre o que precisa ser feito (usar máscara, lockdown, etc.), mas a execução dessas medidas ficará a cargo dos órgãos governamentais.

Algum órgão internacional serve de modelo para essa nova instituição? O modelo australiano foi a principal inspiração, pois é enxuto, ágil e teve uma atuação exemplar no controle da pandemia de Covid-19, sendo muito semelhante ao que se pretende para o Brasil.

Que erros do Brasil durante a pandemia de Covid-19 essa nova estrutura visa corrigir? Falta de preparo e autonomia do Brasil. Não tinha estoque de nada (insumos e equipamentos de saúde), sem fabricação própria de medicamentos, máscaras e respiradores, ficando à mercê de compras internacionais de emergência.

E quanto às vacinas? Como a senhora descreve a importância da autonomia em sua produção para o país? É uma prioridade para que o Brasil não dependa mais de importações emergenciais, que muitas vezes resultam em valores maiores.

Costuma-se relacionar destruição ambiental e novas pandemias. A sra. mesma sublinhou esse risco recentemente. Como elas se relacionam? A questão ambiental está diretamente relacionada ao risco de pandemias, pois o desmatamento, as mudanças climáticas e a violação do meio ambiente propiciam a transmissão de vírus dos animais para os humanos [spillover, como teria acontecido no caso do Sars-CoV-2, causador da Covid-19].

Qual é o próximo passo para a implementação da nova estrutura? O trabalho técnico foi entregue ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha. O próximo passo fundamental é a criação de um marco legal, ou seja, um projeto de lei que dê substrato jurídico à instituição e seja chancelado pelo presidente da República e aprovado pelo Parlamento.

Esta reportagem foi produzida durante o 10º Programa de Treinamento em Jornalismo de Saúde da Folha, patrocinado pelo Laboratório Roche e pelo Einstein Hospital Israelita.