No dia em que arranca a concertação social para discutir as cerca de 100 alterações ao Código do Trabalho propostas pelo Governo, há mais de 79 mil pessoas que já se manifestaram publicamente contra algumas das medidas, assinando duas petições que contestam as mudanças previstas às regras da amamentação, ao luto gestacional e à flexibilidade de horário.

Ao final da manhã eram 79.164 aqueles que pediam que não se avançasse com as mudanças previstas no Código do Trabalho que consideram pôr em causa direitos das mulheres, das crianças e da vida familiar.

A petição Retrocessos inaceitáveis nos direitos das mulheres, mães e bebés, lançada a 26 de Julho, contava com 47.505 assinaturas de pessoas que, de acordo com o documento, pedem à Assembleia da República que “rejeite ou altere o regime proposto que limita a licença de amamentação até aos dois anos […]; rejeite a revogação da norma actual de três dias remunerados de luto gestacional, assegurando direitos iguais ao outro progenitor; rejeite a alteração no horário flexível”.

A ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Rosário da Palma Ramalho, justificou a intenção de limitar a redução de horário de duas horas diárias para amamentar o filho até aos dois anos da criança com o que considera serem “abusos” de mães que continuam a beneficiar da licença para lá dessa idade, quando a criança não necessita de ser amamentada no horário de trabalho. Contudo, a ministra nunca apresentou qualquer número que justifique esta percepção.

As duas petições lembram que a recomendação da Organização Mundial de Saúde é para que a criança seja amamentada exclusivamente até aos seis meses e de forma complementar até aos dois anos ou mais. Querer alterar isto é promover uma medida “contrária à promoção da natalidade”, bem como “um obstáculo à conciliação entre vida profissional e familiar” e “um incentivo ao desmame precoce e forçado, com potenciais impactos negativos duradouros”, considera-se no texto da primeira petição.

Já a segunda, lançada a 30 de Julho, com o título Carta Aberta pelos Direitos da Família, e que conta com 31.659 assinaturas, considera que restringir o direito à amamentação pode prejudicar o “vínculo estabelecido nos primeiros anos de vida” entre a mãe e o bebé, e propõe mesmo que o horário reduzido “deveria ser ampliado a todas as famílias com crianças com idade inferior a três anos, independentemente de estarem a ser amamentadas, valorizando assim a presença parental como factor determinante para o desenvolvimento saudável”.

O outro tema visado por ambas as petições é o fim do luto gestacional de três dias, remunerado a cem por cento, para ambos os progenitores. A argumentação da ministra de que a actual norma só causa confusão e que a licença está garantida pelas regras relacionadas com a interrupção da gravidez (voluntária ou não) não convencem os peticionários, já que é apenas a progenitora que beneficia dessa medida, ficando o pai limitado a poder faltar para acompanhamento à família, mas sem remuneração.

Uma “injustiça”, considera-se na petição de 26 de Julho, em que se refere ainda que a alteração “elimina o direito mínimo de luto, remetendo a perda gestacional para o silêncio, para o esquecimento e para a invisibilidade”. Na carta aberta também se considera que “a revogação desta norma representaria um insensível retrocesso, remetendo a perda gestacional para o silêncio, a invisibilidade e o isolamento, em total contradição com os recentes esforços para acolher e dignificar estas situações no plano social e legal”.

Os dois documentos também se opõem às alterações ao horário flexível, com o primeiro documento a argumentar que com o novo texto legislativo “deve o trabalhador ajustar-se ao funcionamento da empresa — e não o contrário”. Ou seja, no seu entender, trata-se de mais um retrocesso, uma vez que a versão ainda em vigor e que se pretende alterar “ajuda as famílias a obter o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, e a estar presente na vida e no crescimento dos filhos”.

No mesmo sentido, a carta aberta também afirma que “a inversão da lógica actualmente vigente, submetendo a parentalidade às exigências do empregador, atenta contra a tutela efectiva dos direitos das famílias e desvaloriza o papel dos cuidadores na construção de uma sociedade saudável e coesa”.

Este último documento pede ainda que seja rejeitada a norma em vigor que prevê “a obrigatoriedade de partilha da licença parental para que esta seja paga a 100%, permitindo que cada família possa decidir, de acordo com a sua realidade, como gerir este tempo crucial sem ser penalizada financeiramente”.