A presidente da Comissão Europeia reiterou a defesa de uma solução de dois estados para o conflito no Médio Oriente e considerou que a Rússia “deve pagar pela guerra que começou: “temos de trabalhar urgentemente numa nova solução para financiar o esforço de guerra da Ucrânia com base nos ativos russos imobilizados”
O discurso sobre o Estado da Nação da Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, esta quarta-feira, foi dominado pelas guerras entre a Rússia e a Ucrânia e entre Israel e o Hamas, que, diz, ameaçam a integridade, a independência e a paz no território europeu. “A Europa está em luta. Uma luta por um continente inteiro e em paz”, sublinhou.
“Sim, a Europa tem de lutar. Pelo seu lugar num mundo em que muitas das grandes potências são ambivalentes ou abertamente hostis à Europa. Um mundo de ambições imperiais e de guerras imperiais. Um mundo em que as dependências são impiedosamente transformadas em armas”, diz Ursula von der Leyen.
Para Von der Leyen, “este deve ser o momento de independência da Europa”. A presidente da Comissão Europeia diz que é altura de “sermos capazes de cuidar da nossa própria defesa e segurança” e “decidir o tipo de sociedade e de democracia em que queremos viver”. É altura, considera de “estar aberto ao mundo e escolher parcerias com aliados – antigos e novos”. “Em última análise, trata-se de ter a liberdade e o poder de determinar o nosso próprio destino. E sabemos que somos capazes de o fazer. Porque juntos mostrámos o que é possível quando temos a mesma ambição, unidade e urgência”, sublinhou, recordando temas em que a Europa demonstrou a verdadeira união, como a pandemia, o plano de recuperação, o apoio à Ucrânia, a defesa, a energia e a segurança. “De todas as vezes, a Europa manteve-se unida e fez”, resumiu
Sasha e Liudmyla aplaudidos de pé no Parlamento Europeu
Nas bancadas do Parlamento Europeu, estavam dois convidados especiais, cuja história Ursula von der Leyen contou aos eurodeputados e que simboliza a luta da Ucrânia pela “liberdade e pela independência”.
“Sasha tinha apenas 11 anos quando os russos atacaram. Ele e a mãe refugiaram-se numa cave na sua cidade de Mariupol. Uma manhã, saíram para ir buscar comida. Foi nessa altura que o inferno se instalou. Uma chuva de bombas russas, sobre um bairro civil. Tudo ficou escuro e Sasha sentiu a cara a arder. Tinha estilhaços mesmo por baixo dos olhos. Numa questão de dias, os soldados russos invadiram a cidade. Levaram Sasha e a sua mãe para aquilo a que os russos chamavam um ‘campo de filtragem’. Depois, levaram o Sasha. Disseram-lhe que não precisava da mãe e que iria para a Rússia e teria uma mãe russa. Um passaporte russo. Um nome russo. Mandaram-no para a Donetsk ocupada”, conta.
“Mas Sasha não desistiu. Numa paragem no caminho, pediu emprestado o telefone de um desconhecido. E ligou para a avó, Liudmyla, que vivia na Ucrânia livre. ‘Baba, leva-me para casa’. Ela não hesitou nem um segundo. Os amigos disseram-lhe que ela era louca por ir. Mas Liudmyla moveu montanhas para chegar até ele. Com a ajuda do Governo ucraniano, viajou para a Polónia, Lituânia, Letónia, Rússia e, finalmente, para a Ucrânia ocupada. Recuperou Sasha. E, através da mesma longa viagem, levou-o para um local seguro”, acrescenta.
Sasha e a avó comoveram-se quando Von der Leyen recordou que a luta de ambos ainda não acabou e que “todos os dias continuam a lutar para encontrar a mãe de Sasha – presa algures pela guerra brutal da Rússia”. A presença de Shasha e da avó Liudmyla foi aplaudida de pé pelos eurodeputados, incitados pela própria presidente da Comissão Europeia.
“Todas as crianças raptadas [pela Rússia] devem ser devolvidas”, resumiu Ursula von der Leyen.
No dia em que a Força Aérea polaca intercetou pelo menos seis drones russos que se dirigiam para a Ucrânia, numa parte improvisada do discurso, Von der Leyen não deixou de recordar a “invasão” e de demonstrar “solidariedade com a Polónia e com o povo polaco”.
“A Rússia que deve pagar” pela guerra
A presidente da Comissão Europeia considera que a guerra tem de “terminar com uma paz justa e duradoura para a Ucrânia”, “porque a liberdade da Ucrânia é a liberdade da Europa”.
“As imagens no Alasca não foram fáceis de digerir. Mas poucos dias depois, os líderes europeus deslocaram-se a Washington para apoiar o Presidente Zelenskyy e garantir compromissos. Desde então, registaram-se verdadeiros progressos. Ainda na semana passada, 26 países da Coligação de Vontades afirmaram estar dispostos a integrar uma força de tranquilização na Ucrânia ou a participar financeiramente – no contexto de um cessar-fogo. Continuaremos a apoiar todos os esforços diplomáticos para pôr termo a esta guerra”, garantiu.
No discurso, Von der Leyen ataca Vladimir Putin e sublinhou que “todos nós já vimos o que a Rússia entende por ‘diplomacia’”. “Putin recusa-se a encontrar-se com o presidente Zelensky. Na semana passada, a Rússia lançou o maior número de drones e mísseis balísticos num único ataque. Ontem, houve um ataque com mísseis a uma aldeia em Donetsk, visando pessoas que esperavam para levantar as suas pensões. Mais de 20 pessoas foram mortas”, recordou.
Von der Leyen pediu mais pressão sobre Putin, para que se sente à mesa das negociações e pediu mais sanções sobre a Rússia.
“E, ao mesmo tempo, precisamos de mais apoio para a Ucrânia. Ninguém contribuiu tanto como a Europa. Até à data, cerca de 170 mil milhões de euros de ajuda militar e financeira. Será necessário mais. E não devem ser apenas os contribuintes europeus a suportar o peso desta situação. Esta é a guerra da Rússia. E é a Rússia que deve pagar. É por isso que temos de trabalhar urgentemente numa nova solução para financiar o esforço de guerra da Ucrânia com base nos ativos russos imobilizados”, garantiu.
“Pessoas mortas enquanto pediam comida” e “mães a segurar bebés sem vida”
Ursula von der Leyen lembrou também a guerra no Médio Oriente e considerou que “o que está a acontecer em Gaza abalou a consciência do mundo” e “não pode continuar a acontecer”. “Pessoas mortas enquanto pediam comida. Mães a segurar bebés sem vida. Estas imagens são simplesmente catastróficas. Por isso, quero começar com uma mensagem muito clara: A fome provocada pelo homem nunca pode ser uma arma de guerra. Para o bem das crianças, para o bem da humanidade – isto tem de acabar”, reforçou.
Von der Leyen condenou a “asfixia financeira da Autoridade Palestiniana”, “os planos para um projeto de colonização na chamada zona E1, que essencialmente separaria a Cisjordânia ocupada de Jerusalém Oriental” e “as ações e declarações dos ministros mais extremistas do Governo israelita que incitam à violência”.
A presidente da Comissão Europeia considera que o conflito no Médio Oriente só terá fim com uma “solução dos dois Estados”. “O nosso empenhamento numa Autoridade Palestiniana viável está a manter viva uma solução de dois Estados. E temos de exortar os outros a darem também um passo em frente com urgência – tanto na região como fora dela”, exortou.
Von der Leyen anunciou que a União Europeia vai o apoio bilateral a Israel. “Suspenderemos todos os pagamentos nestas áreas – sem afetar o nosso trabalho com a sociedade civil israelita ou com o Yad Vashem”, garantiu, acrescentando que vai propor “sanções contra os ministros extremistas e contra os colonos violentos” e “uma suspensão parcial do Acordo de Associação em matérias relacionadas com o comércio”.
“Sou uma amiga de longa data do povo de Israel. Sei o quanto os atrozes ataques de 7 de outubro, perpetrados pelos terroristas do Hamas, abalaram a nação até ao
seu âmago. Os reféns foram mantidos em cativeiro pelos terroristas do Hamas durante mais de 700 dias desde 7 de outubro. São 700 dias de dor e sofrimento. Nunca haverá lugar para o Hamas – nem agora, nem no futuro. Porque eles são terroristas que querem destruir Israel e também estão a infligir terror ao seu próprio povo”, condenou ainda, apelando à livertação de todos os reféns que o Hamas ainda mantém cativos e ao fim de todas as restrições a toda a ajuda humanitária.
“E deve haver um cessar-fogo imediato. Mas, a longo prazo, o único plano de paz realista é um plano baseado em dois Estados, vivendo lado a lado em paz e segurança, com um Israel seguro, uma Autoridade Palestiniana viável e a eliminação do flagelo do Hamas”, reforçou.
Von der Leyen apelou ainda a uma desburocratização na Europa, para tornar o comércio “mais simples”. Falou ainda de desenvolvimento tecnológico e considerou que “uma Inteligência Artificial europeia é essencial para a nossa futura independência”. “Ajudará a impulsionar as nossas indústrias e as nossas sociedades. Dos cuidados de saúde à defesa”, defendeu, sublinhando a importância de se adotar uma “abordagem em relação à tecnologia limpa – do aço às baterias”.