O Ferrari Testarossa de 1984 equipava um motor de 12 cilindros, mas afinal, era um V12 ou um 12 cilindros Boxer?

A Ferrari recuperou o nome Testarossa para identificar o sucessor do SF90 Stradale, mas, ao contrário do último Testarossa de 1984, não equipa um motor V12, mas sim um V8 biturbo que faz parte de um sistema híbrido plug-in.

E aqui está a celeuma provocadora de comentários e discussões: não tem a ver com a perda de cilindros ou a eletrificação do novo Testarossa, mas sim sobre ter sido afirmado que o modelo de 1984 equipa um V12 e não um 12 cilindros Boxer. Ok, admito que o design do novo 849 Testarossa tem sido fonte de muitos mais comentários e discussões…

Raio X do Ferrari Testarossa© Ferrari O 12 cilindros da discórdia.

A discussão sobre qual é, efetivamente, a configuração do 12 cilindros do Testarossa é anterior ao próprio carro e voltou a ganhar força com o regresso deste nome lendário. Abre-se aqui uma excelente oportunidade de esclarecer este ponto de uma vez por todas.

Sejamos honestos, à primeira vista o motor do Ferrari Testarossa parece ser um clássico Boxer ou flat-12, isto é, um motor com 12 cilindros opostos em posição horizontal. Não se parece em nada, visualmente, com um “V”. Se formalmente podemos dizer que é flat (plano), tecnicamente este motor não é um verdadeiro Boxer, mas sim é um V12 a 180º.

Tudo porque há uma diferença crucial no funcionamento do motor do Testarossa, que o coloca no campo dos “V” e não dos Boxer: os moentes de biela, ou melhor, se há partilha ou não dos moentes de biela entre os pistões.

O que são moentes de biela?

Os moentes de biela são as partes excêntricas da cambota onde as bielas se fixam. Para ajudar a perceber melhor, imaginem dar aos pedais numa bicicleta. Os moentes da biela funcionam como o ponto onde a pedivela da bicicleta liga ao pedal, transformando o movimento para cima e para baixo das pernas (bielas e pistões) em rotação da roda (cambota).

Num verdadeiro motor Boxer, como os que encontramos nos Porsche 911 ou nos Subaru, cada pistão tem o seu próprio moente de biela. Isto significa que os pistões opostos movem-se de forma sincronizada: atingem o ponto superior e inferior ao mesmo tempo. Resultado? Equilíbrio perfeito (e possibilidade de usar uma cambota mais leve) e um som muito característico, como os que conhecemos desses modelos.

O motor do Ferrari Testarossa de 1984 é diferente. Cada par de pistões opostos partilha o mesmo moente de biela. O que é que acontece? Quando um pistão atinge o ponto morto superior, o seu par oposto atinge o ponto morto inferior, numa espécie de braço de ferro entre cilindros. É o funcionamento típico de um motor em V — , ainda que aqui as duas bancadas deste V12 formem um ângulo de 180º.

Apesar da diferença técnica, o V12 «achatado» da Ferrari partilhava com os Boxer a vantagem de poder ser instalado numa posição muito baixa no compartimento do motor, para um menor centro de gravidade. Mas no Testarossa essa vantagem não foi totalmente aproveitada, pois o motor estava colocado sobre a caixa de velocidades.

Ferrari não ajuda

Esta confusão sobre que tipo de 12 cilindros é o motor do Testarossa dura há décadas e é até anterior ao próprio Testarossa, isto porque o motor foi lançado nos anos 70. Mas uma das maiores responsáveis pela confusão é a própria Ferrari.

© Ferrari Ao final do dia, o que interessa verdadeiramente é apreciar mais uma obra de arte de 12 cilindros do construtor de Maranello.

Isto porque o primeiro carro de estrada a usar este V12 a 180º foi o 365 GT4 BB, lançado em 1973. E na altura, “BB” era acrónimo para… Berlinetta Boxer, em alusão à carroçaria e ao motor. Hoje sabemos que as letras BB têm, na realidade, outro significado menos politicamente correto, mas foi esta a justificação oficial escolhida, ainda que seja enganadora.

Depois do 365 GT4 BB, vieram os 512 BB/BBi — mantendo o «engano» na designação — e, em 1984, foi então lançado o Testarossa. Este evoluiria para o 512 TR e o F512 M, deixando de ser produzido em 1996.

O V12 a 180º também evoluiu com cada modelo. Começou por ser identificado por F102 no 365 GT4 BB e derivava, em grande parte, do V12 a 60º — o famoso Colombo. Ganhou a designação F110 com o 512 BB, e com o Testarossa ganhou uma cabeça multivávulas e a designação F113. Começou com 4,4 litros (F102) e 340 cv e acabou com 4,9 litros (F110, F113) e 440 cv, mas sempre naturalmente aspirado.