A dengue é um dos maiores problemas de saúde pública no Brasil. Em 2024, o país concentrou 80% dos casos registrados no mundo, com 6,3 milhões de ocorrências prováveis e 5.873 mortes, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

A ETE (Escola Técnica Estadual) Ariano Vilar Suassuna fica na periferia de Garanhuns (PE), na comunidade conhecida na região como “Vale do Mundaú”, próxima ao cemitério São Miguel, locais de grande proliferação do mosquito Aedes aegypti, principal transmissor da dengue em áreas urbanas.

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Foi diante desse cenário que criei o projeto “AedesTrap 4.0: estudantes no combate à dengue com ciência e tecnologia” com a turma do 2º ano do ensino médio. A proposta foi aproximar os estudantes da realidade local e engajá-los na busca por soluções com base na ciência, na tecnologia e na colaboração, utilizando a Aprendizagem Baseada em Projetos. 

O projeto foi desenvolvido de forma interdisciplinar, envolvendo Biologia, Química, Matemática e Tecnologia, em parceria com outros professores da escola e de instituições externas.

Como tudo começou

Inicialmente, o projeto foi batizado de “ETE contra a dengue”, com o objetivo de promover ações de sensibilização. No entanto, percebemos uma limitação: não era suficiente apenas conscientizar, era preciso aprimorar a identificação dos focos de proliferação do mosquito. A partir daí, decidimos ampliar a proposta e criar a Armadilha 4.0, em referência ao Espaço 4.0, laboratório de tecnologia da nossa escola. Logo depois, optamos por um nome que unisse essa ideia ao próprio vetor da doença. Assim surgiu o AedesTrap 4.0, combinação de Aedes (o mosquito) e Trap (armadilha).

Na pesquisa inicial, os alunos levantaram dados sobre a dengue no município e estudaram o ciclo de vida do mosquito Aedes aegypti, transmissor de doenças como dengue, chikungunya e zika. Esse ciclo tem quatro fases: ovo, larva, pupa e adulto. As três primeiras acontecem na água, por isso é fundamental eliminar recipientes que acumulem líquido. Em condições ideais de calor e umidade, o mosquito pode completar todo esse processo em apenas uma semana, o que explica a rapidez da sua proliferação.

Grupo de estudantes da ETE posando para foto em sala de aula com painel ao fundo.Jefferson Silva / Arquivo Pessoal

Também refletimos sobre as estratégias tradicionais de combate, baseadas em pesticidas e larvicidas industrializados. Além de caros e inacessíveis para muitas comunidades, eles podem causar danos ao meio ambiente, à saúde humana e ainda contribuir para que o mosquito desenvolva resistência. Foi assim que surgiu o desafio central: criar uma alternativa sustentável e de baixo custo para monitorar e reduzir os focos do vetor.

Em busca de alternativas

Na segunda etapa, a turma foi dividida em grupos: alguns, com maior habilidade em tecnologias, se dedicaram à prototipagem, enquanto outros priorizaram o processo experimental. Dessa forma, foi possível evidenciar tanto as habilidades individuais quanto as coletivas.

Uma parte seguiu para os experimentos em laboratório com extratos de plantas conhecidas, como babosa, mamona, comigo-ninguém-pode e espada-de-são-jorge. Os alunos prepararam soluções dessas espécies diluídas em diferentes concentrações de álcool 70°, borrifaram sobre mosquitos e larvas de Aedes aegypti colocados em frascos e observaram os efeitos ao longo do tempo. 

Em poucas horas, todos os extratos mostraram ação contra o mosquito, principalmente nas concentrações mais fortes. Para comparação, também foi feito um teste só com água, chamado de amostra controle. Nesse caso, os mosquitos não morreram, apenas ficaram atordoados, o que reforçou a eficiência dos extratos, com destaque para as soluções feitas com comigo-ninguém-pode, que se mostraram mais eficazes. Para garantir resultados confiáveis, os alunos repetiram os testes três vezes.

Em seguida, analisaram os dados usando ferramentas matemáticas. Primeiro, calcularam a média, que é o valor central dos resultados. Depois, o desvio padrão, que indica o quanto os resultados variaram em relação à média. Por fim, aplicaram a ANOVA (Análise de Variância), uma técnica estatística que permite comparar grupos diferentes para verificar se as diferenças observadas são realmente significativas ou apenas resultado do acaso.

Esses cálculos mostraram que todos os extratos tiveram efeito inseticida, especialmente em concentrações mais altas, e deram aos jovens a experiência de trabalhar com rigor científico.

Uma armadilha para o mosquito

A escola não conta com professores específicos da área de engenharia, mas alguns docentes de matemática possuem essa formação, além dos professores da área de tecnologia que atuam no curso técnico em Desenvolvimento de Sistemas. A instituição também dispõe do Espaço Cria, um laboratório maker financiado pelo governo de Pernambuco e equipado com impressoras 3D e 2D, máquina de corte, aparelhos de solda e softwares avançados, além dos laboratórios de química e biologia.

Esses espaços foram fundamentais para o projeto. Nesse contexto, com apoio dos professores, uma das equipes iniciou a prototipagem da armadilha, utilizando sucata eletrônica e materiais reciclados para desenvolver um dispositivo equipado com câmera ESP32-CAM, sensores e sistema de energia solar, com apoio dos professores.

A ESP32-CAM é uma plaquinha eletrônica com câmera embutida. Ela tira fotos dos mosquitos capturados e envia as imagens pela internet, ajudando a identificar o Aedes aegypti de forma rápida e automática.

Para que funcionasse de forma inteligente, conectamos os componentes por meio da chamada Internet das Coisas (IoT), que é a possibilidade de conectar objetos físicos à internet para que possam enviar e receber informações em tempo real. Assim, os dados coletados pelas armadilhas não ficavam restritos ao aparelho, mas podiam ser acessados, armazenados e analisados a distância.

Para ampliar o alcance da iniciativa, os estudantes desenvolveram um aplicativo no Thunkable, integrando Inteligência Artificial (IA) para reconhecer imagens do mosquito e registrar em mapa a localização exata dos focos. Ainda em fase de aperfeiçoamento, o aplicativo monitora as armadilhas e identifica a presença de mosquitos, considerando fatores como localização geográfica, umidade e temperatura que favorecem sua proliferação.

Fase de testes e comprovação

Durante três meses de testes, instalamos 20 armadilhas em pontos estratégicos da comunidade. Elas capturaram em média 42 mosquitos por semana.

O uso da Inteligência Artificial foi integrado ao aplicativo principalmente para o reconhecimento do mosquito Aedes aegypti. O processo começou com o treinamento do sistema a partir de um conjunto de imagens capturadas, observando características específicas da espécie, como o padrão de pintas no dorso. 

Apesar de ainda precisar de aperfeiçoamentos (foram identificados falsos positivos e a necessidade de melhorar a qualidade da câmera), a IA consegue indicar a presença ou ausência do mosquito e de larvas nas armadilhas. Isso permite recolhê-las de forma mais precisa para análise, reduzindo erros de identificação.

A IA atingiu 68% de precisão na identificação do vetor, embora ainda apresentasse alguns falsos positivos.

Para garantir o funcionamento da câmera instalada na armadilha, foi implantado um sistema de energia solar. Ele assegura autonomia de até sete dias sem recarga, tornando o dispositivo viável em locais sem acesso à rede elétrica. As placas fotovoltaicas, também chamadas de painéis solares, são responsáveis por captar a luz do sol e transformá-la em energia elétrica.

Elas alimentam duas baterias recarregáveis, que armazenam a energia e mantêm a câmera em operação contínua. Essa solução é especialmente importante porque as áreas de maior proliferação do Aedes aegypti, geralmente com água parada, nem sempre contam com rede elétrica

Durante o processo, identificamos pontos a serem aperfeiçoados: a necessidade de reorganizar as baterias (antes conectadas em série) para aumentar a eficiência energética e a substituição da placa solar por uma de maior capacidade, capaz de ampliar a captação e o armazenamento de energia.

Os estudantes envolvidos já tinham contato com esse tipo de conhecimento. Muitos são do curso técnico em Desenvolvimento de Sistemas, que contempla também conteúdos sobre tecnologias renováveis, o que favoreceu o desenvolvimento do projeto.

Protagonismo da turma

A participação dos estudantes foi ativa em todas as etapas: eles organizaram equipes de pesquisa, dividiram funções (programação, experimentos, design do protótipo) e conduziram oficinas de conscientização na comunidade. Essa vivência prática fortaleceu o protagonismo juvenil e gerou engajamento autêntico, pois eles perceberam que suas ideias poderiam salvar vidas.

O envolvimento extrapolou os muros da escola, contando com o apoio da UFAPE (Universidade Federal do Agreste de Pernambuco), da FACEPE (Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco) e de lideranças comunitárias, o que consolidou uma rede colaborativa em torno da saúde pública.

Estudantes manipulando garrafas plásticas e materiais recicláveis em bancada de laboratório escolar.Jefferson Silva / Arquivo Pessoal

A UFAPE disponibilizou seus laboratórios para a testagem da eficiência do larvicida e contribuiu para o entendimento dos componentes químicos envolvidos. Já a FACEPE financiou o projeto por meio de dois editais, que garantiram bolsas para estudantes e professores, além de recursos para o custeio de alguns itens.

Entre os desafios enfrentados, destacam-se as limitações de recursos financeiros e a necessidade de adaptar equipamentos para garantir funcionamento em campo. Esses obstáculos, porém, foram transformados em oportunidades de aprendizagem: os alunos aprenderam a buscar soluções criativas, otimizar custos e trabalhar em equipe para superar dificuldades.

Inovação e pensamento crítico

A inovação pedagógica do AedesTrap 4.0 está em integrar ciência, tecnologia e cidadania em uma prática interdisciplinar que conecta a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e o currículo estadual de Pernambuco às necessidades reais da comunidade.

A sala de aula se transformou em um espaço vivo de investigação, desenvolvendo competências essenciais do século 21, como pensamento crítico, resolução de problemas, comunicação, colaboração e responsabilidade social. Mais do que um protótipo funcional, o AedesTrap 4.0 se consolidou como um processo de aprendizagem transformadora.

Jovem usando ferro de solda em bancada com equipamentos eletrônicos.Jefferson Silva / Arquivo Pessoal

Os estudantes aprenderam a investigar, programar, prototipar e atuar colaborativamente para resolver problemas reais. O protagonismo juvenil foi fortalecido, elevando o engajamento e a autoestima da turma. Para a escola, o projeto se tornou referência em inovação pedagógica, inspirando novas práticas e aproximando ainda mais a comunidade do ambiente escolar.

Jefferson Silva Costa

Licenciado em Ciências Biológicas, mestre em ensino das ciências e doutorando em ensino de ciências e matemática. Atua como professor de Biologia na rede pública estadual de Pernambuco. Desenvolve projetos relacionados à saúde coletiva, mecanismos de prevenção a arboviroses e multimodalidade, tudo isso alinhado à lógica STEAM.